A mudança terapêutica na psicoterapia EMDR

A mudança terapêutica na psicoterapia EMDR

O que é a Psicoterapia EMDR
A Terapia de Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares (EMDR) é uma abordagem psicoterapêutica inovadora desenvolvida por Francine Shapiro na década de 1980. Inicialmente focada no tratamento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), a EMDR tem se expandido para abordar uma variedade de condições psicológicas, como ansiedade, depressão e fobias, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association, 2017).
A EMDR integra elementos de várias abordagens terapêuticas, ganhando reconhecimento internacional por sua eficácia comprovada em diversos estudos clínicos e sustentada por uma ampla gama de estudos científicos, que demonstram sua capacidade de promover mudanças cognitivas, emocionais e neurológicas significativas e duradouras. Este processo terapêutico não apenas melhora a saúde mental dos indivíduos, mas também promove um estado de bem-estar e resiliência frente às experiências passadas. O objetivo principal da EMDR é facilitar o processamento adaptativo de memórias traumáticas ou perturbadoras, permitindo que os indivíduos integrem essas experiências de maneira saudável em suas vidas (Shapiro, 2020).

Trauma, Psicopatologia e Modelo PAI
A fim de abordar as mudanças, se faz necessário compreender o modelo desta abordagem e seu entendimento das bases da psicopatologia, ancorada na importância do trauma. Grandes eventos, como acidentes graves, abuso sexual, assaltos, experiências de guerra, considerados traumas de “T” maiúsculo, provocam impactos e possuem efeitos negativos e duradouros na psique e no comportamento das vítimas (van der Kolk, 1996). Da mesma forma, eventos adversos de vida como situações de bullying, humilhações, crescer em um lar disfuncional, separação dos pais, podem ser considerados “traumáticos” e afetar de forma significativa e duradoura a percepção que a pessoa tem sobre si e sobre o mundo. Diversos estudos, como o Estudo ACE (Experiências Adversas na Infância) (Felitti et al., 1998), mostram a correlação entre essas experiências e doenças físicas e mentais na vida adulta, como alcoolismo, abuso de drogas, ansiedade e depressão.
O modelo PAI (Processamento Adaptativo de Informação) proposto por Shapiro sugere que a mente tem uma propensão natural para a cura, e que a psicopatologia ocorre quando essa capacidade é interrompida por eventos traumáticos (Shapiro, 2015. Quando estes são processados de forma disfuncional, os aspectos perturbadores das memórias ficam armazenados de forma estática no cérebro e se mantem da forma como foram experienciados no momento do acontecimento, limitando o sistema a fazer novas conexões e integrar experiências positivas, com consequências nefastas para a saúde mental e a vida da pessoa.

As Mudanças terapêuticas
As mudanças na EMDR são complexas e multifacetadas. A mudança ocorre por meio de um conjunto de mecanismos neurobiológicos e psicológicos e muitos ainda não são totalmente compreendidos. Os estudos apontam que a eficácia da EMDR está enraizada em estratégias específicas que facilitam a mudança terapêutica em pacientes, como:

  • Estimulação Bilateral: Estudos científicos sugerem que o EMDR promove a integração de memórias traumáticas através da estimulação bilateral (EB), técnica central na abordagem, que pode incluir movimentos oculares, toques ou sons alternados, além de reduzir a intensidade emocional associada a essas memórias (Lee & Cuijpers, 2013). Estes estímulos parecem mimetizar os processos neurofisiológicos do sono REM, facilitando a reorganização das redes de memória. Além disso, a EB facilita a comunicação entre os hemisférios cerebrais, promovendo a dessensibilização emocional e a reestruturação cognitiva.
  • Atuação dentro da Janela de Tolerância: A Janela de Tolerância refere-se ao estado emocional ideal em que o paciente deve estar para que o reprocessamento das memórias ocorra de forma eficaz. Dentro dessa janela, o paciente não deve estar nem hiperativado (excessivamente ansioso ou estressado) nem hipoativado (desconectado ou apático). O terapeuta desempenha um papel crucial em ajudar o paciente a se manter dentro dessa janela durante as sessões de EMDR. O adequado manejo da quantidade e velocidade das MBs e outras técnicas de autorregularão emocional contribuem nesse processo (Shapiro, 2020).
  • Neuroplasticidade: Pesquisas indicam que a EMDR pode induzir mudanças na conectividade neural, promovendo a neuroplasticidade. Um estudo de Pagani et al. (2012) demonstrou alterações na atividade cerebral em pacientes tratados com EMDR, sugerindo uma reorganização das redes neurais associadas ao processamento emocional.
  • Processamento Adaptativo de Informação (PAI): a EMDR facilita o processamento de memórias disfuncionais, permitindo que sejam integradas de forma adaptativa. Estudos de Maxfield et al. (2008) destacam como o EMDR ajuda a transformar memórias traumáticas em narrativas coerentes e menos perturbadoras.
  • Associação Livre: Durante o reprocessamento com os estímulos bilaterais, os pacientes frequentemente experimentam uma cadeia de pensamentos e imagens que podem parecer desconexas, mas que refletem a integração de memórias fragmentadas. Este processo é semelhante ao que acontece durante o sono REM, onde a mente processa e consolida informações, facilitando a resolução de conflitos internos (Shapiro, 2020).
  • Reprocessamento Cognitivo: crenças negativas associadas a eventos traumáticos são substituídas espontaneamente, por meio do reprocessamento, por cognições positivas e pensamentos mais construtivos, facilitando a resiliência emocional e uma visão mais adaptativa de si mesmo e do mundo (Shapiro, 2020).
  • Plano de Ação: a elaboração de um plano de ação na terapia EMDR pode ser considerada uma estratégia de mudança, pois desempenha um papel crucial na estruturação e direcionamento do processo terapêutico. Este plano geralmente inclui a identificação das memórias traumáticas/adversas e eventos chave, associados à queixa do paciente, a serem reprocessados; a avaliação e dessensibilização de gatilhos do presente; e o desenvolvimento de recursos internos para enfrentar desafios futuros (Shapiro, 2020).

Conclusão
Compreender as estratégias de mudanças na Psicoterapia é essencial para maximizar sua eficácia clínica. A eficácia do EMDR é respaldada por uma ampla gama de estudos científicos, demonstrando sua efetividade no tratamento de inúmeros transtornos, com efeitos que se mantêm por períodos equivalentes ou superiores a outras formas de terapia. Embora as estratégias precisas de mudanças ainda estejam sendo explorados, a prática clínica e as evidências atuais sustentam o uso do EMDR como uma abordagem terapêutica válida e eficaz.

Rosalina de jesus Moura

Rosalina de jesus Moura

Psicóloga Clínica

Autora: Rosalina de Jesus Moura
• Psicóloga Clínica, Especialista em Psicoterapia de Casais e Famílias pela PUC/ SP.
• Psicoterapeuta Certificada EMDR.
• Diretora da Consultoria Rumo Saudável
• Palestrante
• Membro da Diretoria da ABRAP.

American Psychiatric Association. (2017). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (5ª ed.).
Felitti, V. J., Anda, R. F., Nordenberg, D., Williamson, D. F., Spitz, A. M., Edwards, V., Koss, M. P., & Marks, J. S. (1998). Relationship of childhood abuse and household dysfunction to many of the leading causes of death in adults. American Journal of Preventive Medicine, 14(4), 245–258. (Sem tradução disponível)
Lee, C. W., & Cuijpers, P. (2013). A meta-analysis of the contribution of eye movements in processing emotional memories. Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 44(2), 231–239. (Sem tradução disponível)
Maxfield, L., Hyer, L. A., Ahern, F. M., Litz, B. T., & Orsillo, S. M. (2008). Eye movement desensitization and reprocessing (EMDR) therapy for psychological trauma: a randomized controlled trial comparing three treatment conditions. Journal of Anxiety Disorders, 22(6), 1031-1046. (Sem tradução disponível)
Pagani, M., Di Lorenzo, G., Verardo, A. R., Nicolais, G., Monaco, L., Lauretti, G., … & Siracusano, A. (2012). Neurobiological correlates of EMDR monitoring – An EEG study. PLoS ONE, 7(9), e45753. (Sem tradução disponível)
Porges, S. W. (2011). A teoria polivagal: Fundamentos neurofisiológicos das emoções, apego, comunicação e autorregulação. WW Norton & Company.
Shapiro, F. (2015). Deixando o Passado no Passado. Traumaclinic Edições.
Shapiro, F. (2020). Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares: Princípios Básicos, Protocolos e Procedimentos. 3ª ed. São Paulo: Amanuense.
van der Kolk, B. A. (1996). O corpo guarda a marca: Cérebro, mente e corpo na cura do trauma. Penguin Books.