A psicologia perinatal e os ajustamentos criativos na forma de nascer

A psicologia perinatal e os ajustamentos criativos na forma de nascer

O termo Psicologia Perinatal abrange todos os eventos que ocorrem em torno do nascimento de uma nova vida. Começou a ser utilizado no fim da década de 90 pela autora Vera Iaconelli, quando a mesma começa a pensar na humanização do parto, dentre outras questões que envolvem a gravidez, parto e puerpério. Antes disso, eram usados termos como Psicologia da gravidez, parto e puerpério, por Maria Tereza Maldonado, (fim da década de 70) e Psicologia Obstétrica por Fátima Bortoletti, (década de 80). Trata-se de um termo recente, mas que abrange todos os aspectos daquilo que ocorre no entorno do nascimento de um bebê.

O psicólogo perinatal trabalha com as questões que envolvem a perinatalidade e parentalidade, mas levando em consideração cada sujeito com sua própria subjetividade.

Este período é percebido como potencial de risco de estresse, ansiedade e depressão. As alterações emocionais na mulher, podem influenciar na saúde materna quando temos o agravamento dos sintomas gerados por esses eventos e também influenciar no desenvolvimento do bebê na gestação e no pós nascimento. Além disso, as alterações emocionais no período perinatal, podem prejudicar a relação entre mãe e bebê.
Assim, visando acolher essas mulheres que passam por esse período, faz-se necessário uma atenção psicológica à gestante na qual chamamos de Pré-Natal Psicológico. Termo criado por Fátima Bortoletti em 2007, ele visa oferecer conhecimento, acolhimento e dar orientações psicológicas e preventivas às alterações emocionais advindas desse período, ou mesmo evitar a cronificação dos sintomas do pós-parto.

A gravidez é um evento do período perinatal. É um momento de mudanças biopsicossociais em que novas figuras emergem, havendo ganhos e perdas em todas as esferas que podem influenciar no contexto de saúde emocional da mulher. Há uma confluência entre o sujeito e meio ambiente, a fronteira de contato fica muito permeável e é comum a mulher ter sentimentos ambivalentes a despeito da experiência.

Um dos fatores de risco deste período, diz respeito ao imaginário coletivo que existe de que a mulher grávida deve estar sempre plena e feliz. Podemos observar o quanto isso é vendido na sociedade e na mídia e por isso, temos altas taxas de mulheres que sofrem em silêncio, pois não são acolhidas em seus sofrimentos, o que leva a muitas delas não buscarem ajuda.

Outra fase importante do período perinatal é o momento do parto. Se pensarmos na questão do parto na antiguidade, é possível atentarmos ao fato de que o parto normal sempre foi algo presente em nossa humanidade e que a mulher era a protagonista desta cena. A partir do século XVII, com surgimento da obstetrícia na medicina, os médicos (homens) se tornam responsáveis pelos partos das mulheres. O local do nascimento também começa a ser modificado, da casa das próprias parturientes, para o hospital.

O parto normal tem sua importância, pois ele é considerado a primeira tarefa evolutiva do bebê. Ele facilita a vinculação e também viabiliza a amamentação na primeira hora de vida. Além disso, ele permite a fluidez da energia, o contato e a awareness no aqui e agora, pois não se trata apenas de um evento biológico, mas também emocional em que, frequentemente, gestalten inacabadas surgirão em forma de uma enxurrada de emoções, mas também trazendo a possibilidade de integração daquilo que ficou em aberto.

Outra forma de nascimento existente é a cesárea, via esta de nascimento cirúrgica, na qual o bebê nasce por meio de um corte na barriga da mulher. É um procedimento importante, que salva vidas, mas que, atualmente, a quantidade que é realizada no Brasil foge do que é esperado (segundo país que mais realiza cesáreas no mundo), e que, muitas vezes, faz desse ritual de passagem e crescimento, que é o nascimento, uma simplificação médica.

Outro momento bastante importante da Psicologia Perinatal é o Puerpério. Considerado um período de adaptação do corpo e do estado psicológico no pós parto, o puerpério tem início logo após a retirada do bebê e posteriormente da placenta. A partir disso os níveis de hormônios da gravidez começam a diminuir e o corpo da mulher começa a trabalhar para retornar ao estado pré-gravídico. Neste momento, é possível perceber o processo de autorregulação organísmica acontecendo.

Para a medicina, o puerpério dura em torno de 45 dias. Já para a psicologia, não é tão simples retornar a esse estado pré-gravídico, pois a existência de um bebê promoverá um processo de adaptação da mulher diante das novas demandas, o que pode tornar o puerpério, do ponto de vista psicológico, mais turbulento, podendo durar um período de 3 anos ou mais.

Especificamente no puerpério, temos alguns transtornos psíquicos que poderão ocorrer: Baby Blues, Depressão Pós-Parto e Psicose Puerperal.
O Baby Blues é um processo esperado a ser vivenciado pela mulher na fase do puerpério e trata-se de uma ‘loucura saudável’. É um período em que a mulher passa por uma oscilação em seu estado emocional. Ela precisará desconstruir a visão do bebê ideal e acolher o bebê real, e também, precisará aprender a ser mãe diante da relação real que começou a ser construída após o parto. Também lidará com a privação do sono, que poderá trazer irritabilidade e questionamentos ambivalentes. É considerado um processo adaptativo natural e esperado, no qual a mulher tem energia para maternar e assim o faz, apesar do cansaço. Cerca de 85% das mulheres passam pelo Baby Blues, que muitas vezes é confundido com depressão pós parto. Ele dura até 45 dias após o nascimento do bebê e geralmente não precisa de tratamento pois desaparece sozinho.

A Depressão Pós Parto (DPP) não se diferencia da depressão em si, o que a caracteriza é o período em que ela ocorre: após o parto. Os sintomas duram mais de 45 dias e geralmente precisa de tratamento psicoterapêutico e/ ou psiquiátrico. Em torno de 4 a 7% das mulheres no puerpério apresentam DPP, que pode durar até 2 anos. Na DPP a mulher quer maternar, mas não tem energia e seu estado psicológico não a permite fazer isso de maneira funcional e saudável. Não tem relação, necessariamente, com rejeitar o bebê. Muitas vezes é confundida com cansaço extremo, no qual a mulher sente-se culpada por não se sentir feliz com a chegada do filho.

A Psicose Puerperal é o transtorno mental mais grave dessa fase do puerpério. Tem incidência maior entre o 1º e o 14º dia do pós parto e ocorre em 1 a cada 500 puérperas, sendo menos frequente que a DPP e o Baby Blues. Na psicose puerperal há a cisão com a realidade, o rompimento com os padrões e normas culturais e desta forma, a mulher pode não se reconhecer e muito menos o bebê. Pode apresentar quadros clínicos com os seguintes sintomas: confusão mental, agitação motora, delírio, alucinações, despersonalização, insônia, angústia, prejuízo da memória e irritabilidade. Em casos extremos, pode ocorrer violência com o bebê, suicídio e infanticídio, impulsionados por alucinações. O tratamento é feito com intervenção psiquiátrica e/ ou hospitalar sendo que a psicoterapia irá acontecer num segundo momento, quando a mulher já tiver retomado sua lucidez e minimamente consiga se organizar. É importante não afastar o bebê dessa mulher, pois ela irá necessitar do contato com ele para a sua melhora, desta forma, o tratamento também inclui a orientação da família. A psicose puerperal, quando tratada adequadamente, melhora, geralmente, tornando-se uma DPP, pois, como dura cerca de 5 meses, a mãe se dá conta de que não pôde cuidar de seu bebê e necessita fazer um resgate do vínculo e ressignificar a idealização que ela tinha para os primeiros meses com seu filho. Neste momento, em que ela está mais lucida, a psicoterapia irá auxiliá-la em todos esses processos para que ela possa se organizar diante da nova realidade.

Esses são principais aspectos da Psicologia Perinatal, mas ela é muito mais ampla do que podemos imaginar. Aborda questões relacionadas ao planejamento familiar, às tentativas de engravidar, aos diversos lutos perinatais, às doenças e má formações genéticas, à maternidade e paternidade, às redes de apoio, ao desenvolvimento infantil, ao sono dos bebês, à formação de vínculo do bebê com suas figuras de apego, aos tratamentos de reprodução humana, à adoção etc.

É uma área pouco difundida na psicologia, mas de extrema importância, pois se pensarmos nos cuidados maternos e parentais desde o início da vida, podemos prevenir diversos eventos que podem ser prejudiciais a uma pessoa, advindos da falta de conhecimento e cuidado dessa fase em que a vulnerabilidade é muito presente e a busca por ajuda pouco constante.

Assim, se faz importante cuidar de quem cuida, para que essa mulher/ mãe, em contato e aware de suas necessidades, consiga se movimentar em busca de satisfazê-las, sem tanta culpa e com consciência de que a maternidade é um estado de construção, de aprendizado que se dará na constante relação entre a mãe com seu filho.

Natália Aguilar - CRP 06/92570

Natália Aguilar - CRP 06/92570

Psicóloga Perinatal e do Luto/ Gestalt-terapeuta

Referências Bibliográficas

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