A IMPORTANCIA DA SUPERVISÃO NA FORMAÇÃO
CLÍNICA
IVONISE FERNANDES DA MOTTA
8 DE OUTUBRO DE 2018
Freud concebeu a Psicanálise como um método de investigação
do inconsciente, um método de tratamento e um modelo teórico-metodológico. Como
procedimento psicoterápico, a pesquisa dos processos inconscientes demanda
tempo e, portanto, a análise é um processo longo sem duração predeterminada. A
psicoterapia é um processo mais específico e focado, com objetivos limitados. Mezan (1998)[1]
assinala que a diferença entre a psicanálise e a psicoterapia é o uso e manejo
realizado com a regressão. A regressão é um processo psíquico facilitado pelo setting analítico, uso do divã, sessões
frequentes várias vezes por semana, neutralidade do analista. Algumas
psicoterapias vão se utilizar dos processos regressivos, porém a análise se
diferencia pelo manejo desse processo. Na análise o processo tem manejo
estreitamente conjugado com a transferência e requer interpretações centradas
nesse ponto. A interpretação transferencial é um diferencial marcante.
No âmbito da Psicanálise quatro elementos são fundamentais:
o inconsciente, a transferência, a resistência e a interpretação. O trabalho
clínico que não as emprega como elementos centrais, podemos nomear por
psicoterapias.
No âmbito das psicoterapias breves, Knobel (1998)[2]
assinala que o diferencial está no manejo dos quatro aspectos fundamentais da
Psicanálise: transferência (neurose transferencial), regressão, processo de elaboração,
relação de objetos. No âmbito institucional é possível a realização de
psicoterapias e em frequência maior psicoterapias breves.
Freud apontava como uma perspectiva de futuro o uso da
Psicanálise para atendimento de populações menos privilegiadas financeiramente.
Para tanto, sugeriu a necessidade de adaptações da técnica abrindo caminho para
a ideia de que a flexibilidade da técnica seria algo necessário à ampliação de sua
utilização.
Várias propostas desse tipo de trabalho foram realizadas na
América do Sul. No Brasil, pode-se destacar a de Simon (2005)[3]
Psicoterapia Breve Operacionalizada, que foi elaborada com a preocupação de se
fazer uma Psicologia Clínica Preventiva.
Nos dias
atuais a velocidade se apresenta como uma das características marcantes de nossa
realidade (Motta,
2006a)[4]. O psicólogo é cada vez mais requisitado para intervenções breves e
pontuais. Os pais procuram auxílio para o desempenho de suas funções parentais
nos mais diferentes momentos e idades de seus filhos por dificuldades
encontradas no desempenho de suas funções parentais e por dificuldades
vivenciadas no desenvolvimento psíquico de seus filhos. Com os avanços no campo
das psicoterapias de orientação psicanalíticas e psicodinâmicas, temos
confirmado a eficácia e pertinência das intervenções psicoterápicas de breve duração
tanto em âmbito privado como institucional (Motta, 2006b)[5].
Os pais com frequência
solicitam ajuda por dificuldades encontradas no exercício de suas funções
parentais, sendo que os sintomas apresentados pelo filho refletem, com
frequência, dificuldades não resolvidas pelos pais, principalmente pela mãe. Neste
panorama, o psicólogo tem lugar fundamental no sentido do desenvolvimento
psíquico e da saúde mental (Motta, 2008)[6].
Os
fenômenos transicionais, ao facilitarem o caminho para o mundo social, irão
adquirindo presença e espaço cada vez maior desde o início da infância e irão
se ampliando com o passar dos anos. Na adolescência, a vida cultural pode vir a
ter lugar de facilitação dos processos integrativos característicos dessa fase
da vida. Movimentos regressivos e progressivos ocorrem visando constituir
discriminação das figuras parentais e entrada gradativa no mundo adulto (Silva & Motta, 2015)[7].
Winnicott
(1965b/1982)[8],
ao acreditar na existência de um potencial humano que evolui no sentido do
crescimento e da saúde, reforça a crença na disposição individual em superar e
transformar crises e conflitos. Falhas ambientais de provisão nas mais
diferentes épocas da vida podem dificultar os processos de integração. Nessa
perspectiva, intervenções psicoterápicas podem ser realizadas para
potencializar possibilidades de transformação e mudança de posicionamento de
vida que são possíveis de serem traçadas, apesar das dificuldades que por vezes
acontecem (Catafesta, 1996)[9].
Há
diversas propostas de psicoterapia breve de orientação psicodinâmica que buscam
responder à demanda atual por ajuda psicológica, ajustando-se a ela, antes que
a um referencial teórico (Yoshida, 2013)[10].
Cabe assinalar que as diferentes propostas atuais de psicoterapia breve
psicodinâmica podem ser resumidamente caracterizadas pelo trabalho em torno do
foco, que inclui conflitos cuja resolução passa pela experiência emocional
propiciada pela situação terapêutica, fortemente determinada pela atitude e
pela pessoa do terapeuta.
Nessa perspectiva, a formação de
profissionais em psicoterapia requer atenção e reflexão. Tanto os iniciantes,
alunos de graduação em Psicologia como os mais experientes, estagiários dos
cursos de pós graduação e especialização demandam por interlocução e
alargamento de conhecimentos. Nesse lugar está inserida a supervisão em
psicoterapia, tanto as de longa quanto
as de curta duração.
O ambiente seguro, suficientemente bom que a supervisão
proporciona possibilita ao psicoterapeuta
vivenciar suas angústias e retomar o processo promovendo essa mesma oportunidade
no setting terapêutico (Obara
& Motta, 2008)[11].
A supervisão se constitui um espaço de “holding”, um espaço de contenção de angústias objetivando a facilitação da experiência e compreensão dos processos transferenciais e contratransferenciais. Proporciona interlocução para os conflitos, dúvidas, dificuldades do estagiário. Intervenção facilitadora e formadora da atitude clínica de formulação de hipóteses diagnósticas e de intervenções terapêuticas, ou seja, da construção do raciocínio clínico (Motta, 2006c)[12]. . .
O psicoterapeuta
através da supervisão caracterizada por holding
e acolhimento, encontra uma experiência que o insere além das teorias. Coloca-o
na experiência de um contato com as mais diferentes facetas das vicissitudes
humanas. Nesse sentido, o olhar do supervisor de confiança no trabalho que está
sendo realizado pela dupla pode ser promotor de avanços e progressos.
A supervisão em psicoterapia com
abordagem psicanalítica psicodinâmica apresenta ao psicoterapeuta modelo de referência para o trabalho que é desenvolvido
em cada um dos atendimentos realizados. Hipóteses diagnósticas e diversas
intervenções psicoterápicas vão compondo o experienciar, passo a passo, da
constituição gradativa de um tipo de trabalho que está em curso, em movimento,
compondo a base de sustentação da identidade profissional de um clínico.
Catafesta, I. F. M. (1996). Potencialidade para a saúde ou
algumas reflexões sobre a capacidade para a integração. In Catafesta, I. F. M.
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Mezan, R. (1998). Tempo de Muda. São Paulo, SP: Companhia das Letras.
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Campinas, SP: Alínea.
[1] Mezan, R. (1998). Tempo
de Muda. São Paulo, SP: Companhia das Letras.
[2] Knobel, M. (1986) Psicoterapia
Breve. Temas Básicos de Psicologia. São Paulo, SP: EPU.
[3] Simon, R. (2005) Psicoterapia Breve Operacionalizada:
Teoria e Técnica. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.
[4] Motta, I. F. (2006a). A Psicanálise no
século XXI: Um momento de reflexão. In Motta, I. F. (Org.), Psicanálise no século XXI: As Conferências
Brasileiras de Robert Rodman (pp. 285-294). Aparecida, SP: Idéias e Letras.
[5] Motta, I. F. (2006b). Orientação de Pais. Novas Perspectivas no
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[6] Motta, I. F. (2008). Intervenções
Psicoterápicas no Desenvolvimento Psicológico: O trabalho com os pais. Gomes,
I. C. (Coord.), Família. Diagnóstico e
Abordagens Terapêuticas (pp.113-123). Rio de Janeiro, RJ: Ed. Koogan.
[7] Silva, C. Y. & Motta,
I. F. (2015). Entre versos e rimas: uma reflexão sobre a criatividade no RAP. Winnicott
e-prints, 10(1), 1-23. Recuperado de shttp://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-432X2015000100005&lng=pt&tlng=pt
[8] Winnicott, D. W. (1982). O
ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento
emocional. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em
1965b).
[9] Catafesta, I. F. M. (1996).
Potencialidade para a saúde ou algumas reflexões sobre a capacidade para a
integração. In Catafesta, I. F. M. (Org.), D.
W. Winnicott na Universidade de São Paulo (pp.131-142). São Paulo, SP:
Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo.
[10] Yoshida, E. M. P.
(2013). Evolução das psicoterapias breves psicodinâmicas. In Yoshida, E. M. P. e Enéas, M. L. E. (Orgs.), Psicoterapias psicodinâmicas breves –
propostas atuais (pp. 11-36). Campinas, SP: Alínea.
[11] Obara, C. S. &
Motta, I. F. (2008). O ódio na Construção da Personalidade: aprendendo com a
integração no self de experiências com tapas, chutes, violetas. In Rosa, J. T.
& Motta, I. F. (Orgs.), Violência e
Sofrimento de Crianças e Adolescentes na Perspectiva Winnicottiana, (pp.91-96). Aparecida, SP: Idéias e Letras.
[12] Motta, I. F. (2006c).
A função da supervisão psicanalítica na formação do psicoterapeuta. In Simon,
R. & Levinzon, G. K. (Orgs.), Progressos
em Psicoterapia Psicanalítica. Dez anos, uma história (pp.395-419). São
Paulo, SP: Casa do Psicólogo.