O trabalho interdisciplinar,
ou mais afeito ao que fazemos, transdisciplinar com a população trans é algo
novo no Brasil. Tem pouco mais de vinte anos. No início só com adultos e desde
2010, com a criação do AMTIGOS (Ambulatório Transdisciplinar de identidade de
Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), pioneiramente se
iniciou trabalho com crianças e adolescentes.
Costumamos dizer que o
trabalho com a população adulta é reparador, pois já existe toda uma vivência
discriminada ou não em relação à identidade de gênero. Com as crianças o
trabalho é preventivo, visando evitar as condições estigmatizantes e
excludentes relacionadas à identidade de gênero. Com os adolescentes é um
trabalho de diminuir danos, pois a infância e a puberdade podem ter deixado
marcas psíquicas e físicas causadoras de sofrimento intenso.
Discorrer sobre questões
relativas ao gênero na infância é bastante delicado e ainda não existe uma
vasta literatura sobre o tema, essa complexidade deve-se ao fato do próprio
desenvolvimento infantil e do preconceito que existe sobre esse assunto.
A criança é um ser humano de
pouca idade e sua infância é definida como um período da sua fase de
crescimento que vai do nascimento até a puberdade. Na sua origem etimológica, o
termo infância vem do latim infans, que significa ausência de linguagem.
No cerne do legado ideológico ocidental, não ter linguagem significa ausência
de pensamento, ser desprovido de conhecimento e não ser munido de
racionalidade. Nesse sentido, a criança sempre foi vista como um ser menor a ser
educado por um longo intervalo de tempo até adquirir sabedoria e autonomia.
Saleiro (2017) também sustenta
em seus artigos que não temos uma vasta gama de estudos que tenham as crianças
como protagonistas, essas crianças não tinham espaço para se expressar, como podem
fazer atualmente e só poderíamos reconhecer sua existência no relato dos
adultos; a mesma autora aponta a necessidade de fazermos novos estudos.
Antes de entrarmos
especificamente no tema da transgeneridade, gostaríamos de contextualizar a criança
de hoje. Se tivermos um olhar um tanto mais observador e apurado, iremos
constatar que na contemporaneidade o papel das crianças influencia a nossa
sociedade, elas interferem e ocupam uma função dentro do nosso grupo social.
Elas participam coletivamente da sociedade e nela são sujeitos ativos, não
meramente passivos. Isso significa que na atualidade se propõe estudar a
infância por si mesma, rompendo com a prática social que estabelece o poder aos
adultos; que deixavam os jovens e crianças com menor liberdade, devido a alguma
carência de formação. Atualmente
compreendemos a criança como um ser social, produtor de cultura, ativo e consciente
de si. Criança pensa, articula e produz conhecimento quando estimulada, é
provida de autocrítica e também de autoconhecimento.
No
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990):
“Considera-se
criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade... A criança e o adolescente gozam de todos os
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade... É dever da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Dessa forma, a criança passa a
ocupar esse novo papel social, e assim, começa a ser ouvida quando manifesta a
incongruência de gênero em relação ao seu sexo de nascimento, mesmo que sejam
muito pequenas. É importante ressaltar que não é por esse motivo que
simplesmente fechamos a questão, mas o que nos é dito pela criança é
valorizado. Poder ouvi-las indica que precisamos prestar atenção no que
significa a fala dela. Elas podem transitar sua autopercepção de identidade de
gênero e nosso papel é o de permitir experienciar todas às facetas da
identidade com aquela que se identificam, sem forçá-las a congruência ou não ao
seu sexo biológico.
Pesquisas atuais, como a da psicóloga
Kristina Olson (2015) que é associada à Universidade de Washington, realizadas
no laboratório de desenvolvimento cognitivo social, criou o TransYouth Project, que tem uma proposta
de estudar longitudinalmente crianças e adolescentes transgêneros e seus irmãos
pelo período de 20 anos, nesse trabalho já se inscreveram mais de 300 pessoas.
Assim como nesse projeto, a equipe do AMTIGOS
(Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual),
com a coordenação do Prof. Dr Alexandre Saadeh, ampliou o espectro do seu
trabalho com a população transgênera. Inicialmente assistia apenas adultos e a partir
de 2010 iniciou o atendimento também aos adolescentes e passou a acompanhar
longitudinalmente as crianças. Em agosto de 2018, contabilizamos o
acompanhamento com 56 crianças de todo o país e suas famílias e temos 59 na
fila de espera para triagem.
Os pesquisadores postulam que
se deve perceber e valorizar as demonstrações pessoais das crianças desde a
primeira infância. Pascoto (2006) aponta que as percepções e a atenção
iniciam-se quando a criança tem apenas meses de idade e são demonstradas por
meio de suas escolhas e gostos, essas manifestações podem coincidir ou não com
as expectativas sociais de expressões de um ou de outro gênero.
Esses esforços em tratar da
questão de gênero sob a ótica do desenvolvimento infantil, aliadas às nossas
observações e cotidiano do nosso trabalho no ambulatório, tem nos mobilizado a
direcionar nossa atenção e pesquisa acerca da construção do gênero na infância.
Obviamente que, por tratarmos
de um tema que desperta muito preconceito, e sobretudo, um tema que envolve
crianças, colocamos algumas questões para que possamos refletir. Uma criança de
3 ou 5 anos é um sujeito ativo que pode ter opiniões sobre as coisas que
vivencia? Muitas vezes, as crianças são imaturas, mas seria possível que elas
estivessem muito mais inteiradas das situações do que se imagina?
Aos 3 ou 4 anos, quando a
criança começa a falar e a se expressar, ela já demonstra o gênero que a
descreve de diversas maneiras, nessa idade é capaz de nomear seu gênero e é por
volta dos 6 anos que descobre que o gênero não muda de acordo com a roupa que
usa. Como uma criança de tenra idade, isto é desde seus 3 anos, pode ter
propriedade para falar de sua possível transgeneridade, e então lhe colocamos a
seguinte pergunta: por que não fazemos esse questionamento e não sentimos
tamanho estranhamento quando a criança se diz cisgênero?[1]
É importante salientar que
nenhuma criança no Brasil está passando por qualquer tratamento irreversível
como hormonioterapias ou cirurgias. Na infância, o tratamento para questões de
gênero consiste, principalmente, na orientação e psicoterapia que auxiliam a
criança, tanto no bem-estar emocional quanto na sua percepção ou não da
manutenção da questão de gênero, aliado ao trabalho de orientar pais e escolas.
Em casos de crianças com sintomas psicopatológicos a conduta é a mesma que é
aplicada em crianças que não apresentem questões de gênero. Nenhum outro
tratamento ou prescrição médica endocrinológica ocorrerá até que a criança se
aproxime da puberdade.
A transição social é o processo em que a criança passará por
algumas alterações, que não necessitam de qualquer intervenção médica,
tais como: mudança de nome, alternância de pronomes, utilização de roupas do
sexo oposto ao do nascimento e autoapresentação em situações sociais em outro
gênero.
Jesus (2013) revela que se
essa experiência de inadequação ocorre na infância, a transgeneridade se
elucidará, na maioria dos casos, até o final da adolescência.
Identificar e diagnosticar uma criança como transgênera é algo muito
difícil, pois elas podem transitar entre um gênero e outro durante a infância
toda, não há um tutorial para se identificar a criança transgênero. O
mais sensato a se fazer é questionar, considerar e respeitar o conteúdo daquilo
que ela relata, afinal não existe ninguém mais adequado do que ela mesma para
dizer quem ela é e qual é a sua identidade de gênero. Fases passam, mesmo que
deixem marcas na construção da identidade de qualquer individuo. Considerando
as faixas etárias, entendemos que há variações. Por exemplo, quando pensamos na
criança de 3 a 5 anos, todos esses aspectos podem se referir a fantasias ou
brincadeiras criativas. A partir dos 5 anos e com a persistência da criança, ficará
mais claro e evidente sua identidade de gênero. Quando a fase permanecer no
discurso da criança até a adolescência, precisamos ouvi-las com maior atenção e
começar a supor que talvez não seja mais apenas uma fase, mas sim algo
intrínseco a subjetividade daquele pré-adolescente.
A noção de gênero, diferentemente da concepção de
sexo, macho ou fêmea,
Para as crianças bem pequenas,
os conceitos iniciais sobre gênero são bastante flexíveis e elas experimentam
todas as possibilidades com tranquilidade e liberdade. Um aluno da educação
infantil pode acreditar nessa transitoriedade e perguntar para um adulto se ele
era menino ou menina quando era criança, ou um garoto pode dizer que
gostaria de ser mulher quando crescer, sem nenhuma estranheza.
Como foi relatado
anteriormente, dentre as
pesquisas citadas, o conceito de gênero das crianças se desenvolve
paulatinamente entre 3 a 5 anos. Olson (2015) ressalta que antes dos 5 anos, as
crianças não parecem considerar que o gênero seja algo imutável. Depois que as
crianças passam a considerar o gênero como uma característica consolidada, elas
também introduzem o gênero em sua própria identidade. Desse modo, tornam-se
motivadas a se relacionar com outros membros de seu grupo e procuram
informações relacionadas ao gênero que se identificam.
Geralmente, as crianças têm
sua identidade de gênero congruente com seu sexo biológico, mas não são todas que se
identificam totalmente com as características sexuais do seu nascimento. Aquelas que não são congruentes
relatam a incompatibilidade que sentem com a genitália que nasceram. Algumas meninas percebem-se diferentes,
identificam-se e sentem-se como se fossem meninos, e alguns
garotos concebem-se como garotas. Esse fenômeno retrata a vivência de uma criança
transgênero.
A disforia de gênero pode afetar
crianças que se identificam como transgênero, não se identificam com as
características sexuais com as quais nasceram, e que sofrem com essa
contradição.
A concepção da disforia de
gênero como sendo um distúrbio distinto foi feita para remover o estigma sobre
o ser transgênero e para mudar o foco da preocupação dos profissionais de saúde
mental em ajudar aqueles nos quais a experiência de ser transexual resulta em
sofrimento significativo e funcionamento psíquico prejudicado.
Uma criança que sofre de
angústia como resultado de sua identidade de gênero, especialmente se é
intimidada ou marginalizada, vivencia maior risco para desenvolver quadros psiquiátricos,
como transtornos de ansiedade, depressão e abuso de substâncias, entre outros.
Lodi e Kotlinski (2017),
afirmam que suas pesquisas revelaram um dado preocupante para a saúde pública,
perceberam um aumento de três vezes a mais no número de tentativas de suicídio
em crianças com disforia de gênero em relação à população que não apresenta
incongruência de gênero.
Adolescência
As crianças se desenvolvem
física e psiquicamente e a próxima fase a ser experimentada é a adolescência. E
como é sentida a chegada dessa fase pelo individuo que esta saindo da infância?
Inicialmente devemos discorrer
um pouco sobre o que é adolescência: “Adolescência” palavra de origem latina
que significa crescer
para (ad =
para e olescere =
crescer). É o período de transição da infância para fase adulta,
possibilita aos jovens ter tempo para se prepararem para as
exigências do mundo adulto de forma adequada.
Segundo
a OMS (Organização Mundial da Saúde), a adolescência corresponde ao período
biopsicossocial que ocorre na segunda década da vida, ou seja, entre os 10 e 20
anos. Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o período que
compreende a adolescência é dos 12 aos 18 anos. Porém reconhecemos que a
adolescência pode se estender para o começo da vida adulta, até por volta dos
25 anos.
Essa
possibilidade da adolescência se estender relaciona-se com o conceito de que a adolescência
tem seu início na puberdade, mudanças fisiológicas que ocorrem no período
transicional da infância para a juventude, e finaliza com o processo
de inserção social, profissional e econômica no mundo adulto.
A dificuldade geracional imposta na relação entre pais
e filhos adolescentes é real, e precisa ser posta de lado, para que todos
consigam se enxergarem como quem realmente são, e não como eu desejo que seja.
As expectativas do que cada um quer para o outro não podem estar presentes em
uma conversa na qual se pretende conhecer o outro.
Sabe-se que o período da adolescência por si, já é
muito complexo e envolto em confusão para grande maioria das pessoas. Isso
porque é exatamente nesse período que o nosso corpo começa a experimentar
mudanças, a apresentar características que associamos aos sexos biológicos
adultos,se diferenciar sexualmente. Nesse momento surgem de maneira mais
importante as espinhas, mas em especial os seios, a menstruação, o aumento dos
testículos e pênis, os pelos pelo corpo, as mudanças de timbre da voz, etc.
Além dessas mudanças físicas, curiosamente este é o
momento em que mais se tem a necessidade de fazer parte, de pertencer a um
grupo de pessoas que tenham similaridades, que estejam sentindo ou passando
pelas mesmas coisas na vida, resumidamente nos quais nos reconheçamos.
Por fim, é importante lembrar que adolescência é um
momento em que os conflitos são vivenciados, também por quem está ao seu redor,
como os familiares, amigos, professores, etc.
Deixemos
claro que, para o adolescente, esse é um período de grandes transformações e
questionamentos que transcendem o convívio familiar e se estendem também para
outras esferas sociais, como círculos de amizades, relacionamentos amorosos e
vida escolar. E é aqui que podem surgir os grandes conflitos dessa fase, considerando
que a falta de apoio e a inabilidade para lidar com o adolescente
conflitante pode levá-lo a ter comportamentos autodestrutivos e/ou aumentar os
atritos entre ele e o mundo externo.
Agora imagine como é uma adolescência transexual! Se
apresentar o desenvolvimento dos caracteres sexuais em seu corpo de acordo com
o seu gênero já é uma questão de grande conflito, imagine quando eles se
desenvolvem de forma incongruentes ao do seu gênero.
Por exemplo, imagine Maria, que nasceu menina (seu
sexo biológico designado ao nascimento), mas desde que se “entende por gente”
sente-se um menino e se identifica como tal. Na puberdade, início da
adolescência, Maria começa a se desenvolver sexualmente como menina. Isso
significa o surgimento de seios, início da menstruação, mudanças da
distribuição de gordura corporal (concentrando-se em seios e nádegas), em
alguém (menino) que não se sente assim. Alguém (menino) que queria ver
desenvolvimento sexual masculino, pelos, pênis e testículos crescendo, voz
ficando mais grave.
Além disso onde esse menino ou menina vai se
“encaixar”, qual será o grupo que servirá de espelho para que ele se reconheça?
A priori não existe, ele está sozinho, tanto na escola, em casa na vida!
Conseguiu imaginar o tamanho do conflito?
Nossas características sexuais seguem a influência do
sexo biológico e não do gênero. E muitas das atividades escolares são divididas
por sexo. Em qual grupo um adolescente transexual se “encaixa”? Onde ele pode
se sentir fazendo parte? Se reconhece? Qual banheiro ele pode/deve frequentar?
E ai se instaura um grande conflito. Tão grande que esses adolescentes se
sentem vulneráveis, e muitas vezes chegam a se colocar em risco de vida, por
não suportarem tantas questões, tantos conflitos, que parecem não ter solução.
A transexualidade no período da adolescência é um
momento de turbulência intensa. Por conta disso, esse momento é tão delicado e
requer muitos cuidados.
O corpo se revela para o mundo e acaba por revelar as
questões de cada um. O mundo e a sociedade se apresentam cheias de duvidas e
questionamentos, que atravessam a identidade desses sujeitos, que também se
questionam e ficam cheios de duvidas. Ter uma escuta acolhedora e capaz de
fazer com que este adolescente se compreendam apesar de tudo e todos é fundamental.
Entender junto com esse adolescente que tudo precisa ser desconstruído e
reconstruído inúmeras vezes, até fazer mais sentido para ele.
Sabemos que quando um adolescente, transexual ou não,
tem uma base familiar sólida, onde a família exerce o papel de acolhimento,
participa dos conflitos e questões desse jovem, o desenvolvimento é um pouco
menos turbulento, e esses têm pra onde correr quando o desespero bate. Por
outro lado, quando um adolescente, em especial transexual (por ter dificuldades
em achar um grupo externo) não tem essa base familiar, a sensação é de
desesperança e abandono total.
Para que esse acolhimento familiar ocorra é necessária
muita conversa e paciência de ambos os lados. É extremamente importante fazer
um exercício de ouvir o que o outro tem a dizer, e aceitar que isso é a
vivencia dele. E neste caso podemos falar tanto dos pais para com o
adolescente, quanto do adolescente para com os pais. Para uma relação de
respeito é preciso sentir que existe espaço para questão que não necessariamente
são simples, ou vão de encontro ao pensamento da família em si. É preciso
respeitar o adolescente como individuo, que sim, tem capacidade de fazer
algumas escolhas, mas não todas.
É fundamental preparar uma escuta acolhedora para
adolescentes com questões em sua identidade de gênero, mais do que em quaisquer
outras questões, pois esse é um ponto muitas vezes fragilizado. Mas isso é um
processo de aprendizado, e como tal requer tempo, dedicação e paciência.
Na nossa prática observamos que os adolescentes
precisam se sentir fazendo parte de um grupo, de algo que não encontram em
outros espaços. A nossa proposta é realizar o atendimento psicoterápico em
grupo, para que eles possam se sentirem entre “iguais”. As aspas são porque,
apesar da questão transexual ser de todos, nenhum é igual ao outro, eles têm
algo em comum mas não sentem da mesma forma. E quando falamos de adolescentes esse é o maior aprendizado, eles querem se
inserir, mas não querem ser taxados, não querem ser identificados por alguém,
mas sim se auto identificar. E isso gera mais um conflito, pois sozinho, é
árduo demais fazer isso. O reconhecimento de outras pessoas com questões
similares e um psicoterapeuta com escuta apurada são fundamentais neste
processo, além do apoio familiar.
A ideia do processo de psicoterapia em grupo é a mesma
de estarem em pares e se reconhecerem, porém facilitando também o processo de
transição. Buscando com cada um deles um momento de autopercepções de seus
sofrimentos, e como podem achar força para sobreviverem a questões que a
incongruência entre gênero e sexo podem causar.
O processo psicoterápico é necessário para o
fortalecimento da psique frente as exigências que funcionam como pressão e
fazem com que este adolescente viva sensação e emoções novas, fortes,
ambivalentes em alguns momentos e as vezes potencialmente desorganizadoras.
Nos adolescentes a psicoterapia facilita a reflexão
sobre o processo de mudança físico-emocional que enfrentam. Ajuda no
autoconhecimento, na gestão dos conflitos, permitindo que tome decisões
pessoais e profissionais de forma mais consciente e adulta.
É importante entender
algumas dificuldades em faz necessário buscar psicoterapia para adolescentes:
ü
Dificuldades
escolares recorrentes;
ü
Relacionamento
familiar recorrente;
ü
Problemas
relacionados ao corpo e a imagem corporal;
ü
Distúrbios
alimentares (anorexia, bulimia e obesidade)
ü
Dificuldades
relacionadas à sexualidade e sua descoberta;
ü
Comportamentos
agressivos sem motivo, ou fora de proporção;
ü
Dificuldades
no relacionamento familiar;
ü
Problemas
depressivos e ansiosos;
ü
Problemas
com a integração com colegas;
ü
Mudanças
repentinas de humor sem justificativa;
ü
Dependência
química;
ü
Ideação
suicida;
ü
Automutilação;
ü
Medos,
fobias.
Não necessariamente precisa ser um profissional
(psicólogo ou psiquiatra) especialista na questão de gênero. A menos que, a
grande questão seja relacionada a isso ou a seu processo de transição.
No AMTIGOS contamos com uma equipe multidisciplinar,
que neste caso é importante para poder circular saberes e perspectivas sobre
esses adolescentes. E ai é necessário um espaço especializado, no qual os
profissionais são treinados a esta escuta no viés da questão de gênero.
A questão mais importante quando falamos de
adolescentes com incongruência de gênero, é saber respeitar as características
de cada um, além de estar próximo. O adolescente, transexual, assim como
qualquer outro, tem a necessidade de sentir-se pertence a algum núcleo, que
pode ser o familiar, o de amigos, o de alguma religião.
Na questão especifica de adolescentes com
incongruência de gênero, fica marcada a necessidade de que o próprio
adolescente consiga dizer como se vê e se sente.
Quanto ao nome social, ou seja, nome escolhido para
representar realmente como este adolescente se sente frente a sua
transexualidade, que normalmente é diferente do nome de registro, e busca se
adequar com a sua aparência. A ideia é ser respeitado nessa escolha pelas
pessoas com quem convive. Incluindo os artigos e terminações das palavras que
derivem no feminino e/ou masculino e/ou neutro.
Essa questão é muito delicada, uma vez que a família,
normalmente, já chama o adolescente do nome de nascimento e apresenta certa
resistência a esta mudança. Essa resistência pode aparecer ora por conta da
expectativa dos pais em relação ao filho(a) e o que gostaria que ele fosse, ora
pelo adolescente não aparentar fisicamente ser do gênero masculino ou feminino,
e de certa forma, deixas as pessoas confusas em suas expectativas do que é
feminino ou masculino ou ora por não aceitação de fato da transexualidade do
adolescente em questão.
Chamar o adolescente pelo nome que ele escolheu ser
chamado, gera uma sensação de respeito e pertencimento como quem se sente
realmente, que é validado no olhar do outro frente a questão transexual. O nome
é das condições mais vexatórias se não adequado, pois é o que expõe nas
situações mais corriqueiras do cotidiano a identidade dessas pessoas.
A questão da mudança de sexo no documento, certidão de
nascimento, vai acarretar mudanças como passaporte, exercito, entre outras que
necessitem de preenchimento do sexo.
Um fator muito importante para os adolescentes e
adultos transexuais, é o nível de “passabilidade”. Ou seja, é o quanto
determinada pessoa passa desapercebido(a) no gênero ao qual se sente. É muito
comum ver os adolescentes usando esse termo. Fulano tem “passabilidade” 100%,
ninguém diz que ele não nasceu do gênero que se sente. Ou ainda, fulano não tem
“passabilidade” nenhuma, qualquer pessoa consegue ver que é uma pessoa
transexual.
Esse fator da “passabilidade” é outro grande estressor
na vida das pessoas transexuais. Isto porque se considera que alguém que passa
como pertence ao gênero que se sente sofre menos estigma e preconceito. Já a
pessoa que não tem “boa passabilidade” acaba enfrentando muitas situações
discriminatórias, preconceitos, xingamentos, brigas, etc., no convívio tanto
social quanto familiar.
Atualmente sabemos que muitos adolescentes transexuais
estão inseridos no mercado de trabalho tendo concluído seus estudos, porem a
escola é dos lugares mais inóspitos para um adolescente transexual. Muitos
desistem do curso normal de escola, e deixam para mais velhos, fazer um
supletivo e resolver de forma rápida um assunto que incomoda tanto quanto o
convívio com outros adolescentes.
Nesse sentido, é importante destacar a importância de
se manter este adolescente estudando e motivado para isso, visando que ele
consiga superar estas questões de preconceitos, e com isso se inserira no
mercado de trabalho por seus méritos e qualidades, independentemente da questão
de gênero. Parece obvia esta questão, mas não é. Se lembrarmos que no Brasil as
mulheres ainda estão, em sua maioria, em cargos inferiores e com salários
menores que os dos homens, imagina como isso se dá para uma pessoa transexual.
Além disso entendemos necessário, dentro do
ambulatório, os pais terem um espaço mensal para que eles consigam se colocar
também, frente a seus pares (outros pais/parentes), e até mesmo frente a seus
filhos. Esse momento é dos mais ricos no atendimento, pois a partir dai podemos
possibilitar esta escuta diferente de ambos os lados. E, mesmo que não aconteça
de se vivenciar isso ali, no grupo, todos estão participando, e quando chegam
em casa tem um exemplo de como devem e como não devem fazer, por meio da
construção de suas referencias.
Fora do atendimento de um centro especializado, as
famílias e adolescentes podem buscar apoio em psicoterapia individual ou de
grupo e também psicoterapia familiar. Pois de fato essa transição necessita de
amparo de ambos os lados.
O papel fundamental dos pais
Além de acompanhar longitudinalmente crianças e
adolescentes transgêneros é necessário prestar assistência às famílias e
orientação às escolas.
Sabe-se que o apoio familiar é imprescindível no acompanhamento de
crianças e adolescentes, independentemente de sua transgeneridade. No AMTIGOS,
os encontros com os familiares de crianças são feitos mensalmente e tem duração
de duas horas. Com os adolescentes também, mas são realizados ora somente
com os pais, ora com eles e os adolescentes em conjunto. Embora seja uma
relação conflituosa e delicada, é fundamental que os pais participem e
compreendam o trabalho a ser feito. Nos dois grupos, as reuniões são abertas, o
que significa que novos pais podem aderir a qualquer tempo, o que intensifica a
troca e a percepção de cada um em seu processo. Para a participação das
crianças e adolescentes no nosso protocolo, vale salientar que os menores de 18
anos precisam da autorização dos pais.
Na maior parte das vezes os pais se sentem perdidos, sem saber
como agir. Os que aceitam e respeitam a condição de seus filhos, recebem
acusações de membros da própria família ou pessoas próximas de serem
incentivadores deste comportamento, isso ocorre tanto nas crianças quanto nos
adolescentes; os que não aceitam tentam coibir a manifestação de seus filhos
com impedimentos, agressões ou castigos.
Frequentemente, as crianças são trazidas pela família que não
compreendem o fenômeno, angustiam-se com muitas dúvidas, medo e culpa. A
criança é sempre trazida por seus pais, ou por seu responsável legal e a
experiência deste trabalho com eles é muito enriquecedora para os
psicoterapeutas e para todos participantes do grupo. É um encontro marcado por
muita emoção e relatos perturbadores, mesmo aqueles que não se expressam
verbalmente, ficam claras outras formas de comoções. Muitas vezes, a questão da
transgeneridade deixa de ser o fio condutor da vivência, ouvimos relatos sobre
as dificuldades dos pais e mães com dúvidas e incertezas de como agir no
processo de desenvolvimento infantil, assuntos pertinentes a quaisquer pais.
Nesses encontros podemos fazer uso de várias técnicas psicoterapêuticas
para o manejo do grupo: reuniões abertas, técnicas psicodramáticas, grupo
temático, relatos de vivências, depoimentos compartilhados, etc.
Ter um filho com questões de gênero faz com que seus pais tenham
sentimentos ambivalentes, ora apoiam e compreendem, ora coíbem e punem. Nem
sempre as crianças apresentam com clareza sua auto percepção, como já
relatamos, elas podem transitar entre o masculino e o feminino durante toda sua
infância. Em alguns casos a clareza da identidade de gênero só se apresentará
solidificada no início da puberdade. Nem sempre elas são tão explícitas, no que
se refere à sua condição, seja por não terem ampla compreensão, ou mesmo por
perceberem o rechaço por parte de seus vínculos afetivos ou familiares
principais, mesmo que esses não sejam tão evidentes.
Alguns pais, quando percebem o relato desses anseios e a
incongruência de gênero, concluem que provavelmente terão um filho com
orientação sexual homoafetivo. Relatam sentirem muita ansiedade e consternação,
ficam preocupados em notar o sofrimento de seus filhos demonstrado por seus
comportamentos, falta de alegria nos sorrisos ou de brilho no olhar quando
impedidos de expressar sua condição.
Os pais relatam que muitas das crianças expressaram muito cedo a
sua incongruência de gênero, que nunca foram incentivadas neste sentido, que
eles tentaram de diversas maneiras que agissem diferente; pediram auxílio para
padres, ou referências religiosas, fizeram orações, buscaram diversos
profissionais na tentativa de encontrar orientações, impediram seus filhos de
terem contato com tudo que seria interpretado com esta expressão e buscaram diversas
medidas para que houvesse mudanças, nenhuma eficaz e capaz de alterar o comportamento desses indivíduos.
Apenas conseguiam que essas crianças fossem cada vez mais tristes, sem convívio
social, com baixo desempenho escolar e ansiosas. Referem que a partir do
momento que permitiram que seus filhos se expressassem, passaram a ficar menos
agressivos ou tristes. Eles relatam culpa e dor por tê-los impedido e por terem
feito tais exigências, em contraste com o que puderam ver neles após suas
mudanças de postura; e aí evidenciam a alegria e as novas expressões que nunca
tinham visto anteriormente em seus filhos. No entanto, vivenciaram diversas
críticas, perderam amigos e passaram a ter inúmeras dificuldades e novos
temores.
O encontro do grupo de pais tem por objetivo acolher as questões
apresentadas, compartilhar experiências acompanhar e compreender o universo
familiar das crianças, responder às dúvidas do processo que é proposto dentro
do nosso trabalho como questões ligadas: à psicoterapia, a possibilidade do
bloqueio hormonal, uso do nome social, ideação suicida, as diferenças das experiências
entre aqueles que iniciam o processo e os que já têm um percurso dentro do
ambulatório, etc.
Muitos dos temas tratados com os pais de crianças emergem no
trabalho realizado com os pais de adolescentes. Ter um filho adolescente
provoca sentimentos intensos nos pais porque eles costumam ser impulsivos,
intransigentes e desafiadores, essas emoções são potencializadas quando o
adolescente vivencia a transgeneridade. A adolescência é uma fase bastante
complexa, de muitas mudanças, o que também ocorre com os púberes transexuais, e
é ainda agravada por ser um marco das mudanças puberais que os atingem
duramente, por evidenciar a marca biológica, explicitando o conflito da
identidade em relação a imposição biológica.
Por este motivo é tão importante esses momentos com seus pais, ou
responsáveis.
O que foi tratado dentro das sessões com os psicoterapeutas dos
adolescentes, que fazem acompanhamento em grupo terapêutico, nunca é pontuado
pelos psicólogos no grupo de pais, mas nestes encontros eles próprios, pais ou
adolescentes, trocam experiências e intimidade. Os pais, geralmente falam de
suas angústias e conflitos em relação a si mesmos e aos filhos, são discutidos
diversos temas como: o uso de hormônio cruzado, questões legais, mudança de
nome, drogadição, entre outros. Trocam-se informações e ideias de como agir
frente a diversas situações, indicações de convênio médico, empresas que
recebem e lidam bem com a diversidade e profissionais que podem auxiliar nesse
processo.
Presenciamos diversos conflitos e dores nos relatos dos pais que
tinham dificuldades em aceitar a identidade de seus filhos, mesmo se notassem
ou não que desde muito novos ele ou ela “era diferente”. Eles relatam, assim
como os pais de crianças, que acreditavam que seus filhos seriam homossexuais e
que, para eles, a vivência de um transexual seria mais difícil de compreender,
de aceitar, de entender e que a incongruência de gênero elevavam suas
preocupações em relação à vida de seu filho em sociedade, a violência e o
preconceito, além de terem fortes temores e fantasias com as futuras mudanças
ou intervenções que precisariam ser feitas.
Presenciamos histórias de acusações e muita solidão daqueles que
acompanham seus filhos sozinhos sem nenhuma parceria ou apoio de outro
familiar. Ouvimos declarações de gratidão e de amor de filhos que afirmaram só
estarem vivos (que pensaram, ou tentaram o suicídio e não viam saída para seu
sofrimento) pela ajuda de um familiar significativo neste processo, outros que
atravessaram muitas dificuldades por não terem o apoio de algum familiar e, em
contraste, com adolescentes que se sentiam atropelados pela postura de alguém
que aceitava totalmente e estava à frente do processo de seu filho. Os pais
relatam a necessidade de se questionarem sobre seus conceitos, de terem tido a
ilusão de serem compreensivos e modernos e que, neste momento, se percebiam
retrógrados e inseguros.
A compreensão de cada um passou necessariamente por sua construção
e história de vida, o que deixou evidente não depender de idade, sexo ou
religião, encontramos avós, relatos de religiosos, pessoas mais jovens ou mais
velhas que puderam acolher estes adolescentes e outros com as mesmas
características que não conseguem ou ainda não conseguiram. O que é fato é que
quando a convivência com adolescentes transgênero passa pelo afeto e o olhar do
outro, mesmo que haja dificuldade, percebemos a tentativa e a busca de se
apropriar e compreender o fenômeno por meio do respeito e da escuta desarmada.
É um processo que demanda tempo no papel de pais, o que, com frequência, não é
simples para o adolescente.
É possível perceber que nessas reuniões os responsáveis relatam
situações bastante frequentes na vida de quaisquer adolescentes, como não
organizar seus pertences, discutir e questionar a autoridade dos pais, sair sem
telefonar ou dar satisfações, dúvidas sobre envolvimento com drogas, etc. No
entanto, o fato de morarmos no Brasil, que é um país com questões de
preconceito e violência significativos, agrega-lhes um temor ainda maior, de
que estes adolescentes sofrerão algum tipo de ataque ou punição por ser quem
são. Entre estas dúvidas, fica claro o temor de que seus filhos não terão: um
papel construtivo na sociedade, amigos, namorado (a), emprego, entre outros.
Nas reuniões, com a presença dos adolescentes, esses temas também
são abordados, mas temos o enriquecimento das experiências vividas por eles
próprios. O relato de suas dores, e do quanto precisam ter alguém próximo que os
apóie e o quanto isso seria facilitador na sua existência. Em uma das nossas reuniões
um adolescente fez uma “declaração” para sua mãe, que embora com dificuldades,
sempre esteve ao seu lado, e que se não fosse por ela certamente ele não
estaria mais ali - ele havia sofrido muito, pensado em suicídio – esse relato
emocionou a todos dando gênese em muitos pais de um sentimento que facilitou
sua abertura para o seu filho, aprende-se muito compartilhando.
É muito importante ter este momento e espaço, onde são acolhidos
tanto os pais, quanto sua relação com seus filhos. Ambos podem contar de seus
sentimentos, de seu processo, de suas dores e solidão dentro deste percurso. Em
muitas situações, quando falamos em adolescentes, as respostas são prementes, e
uma das tarefas importantes a serem feitas, lado a lado, é que cada um terá seu
tempo e sua rota, que ambos, paciente e família não possam se iludir com
respostas mágicas – como, por exemplo, se ele ou ela tomar o hormônio, tudo se
resolverá... É preciso olhar para cada um dentro de sua história e
características para que as etapas sejam trilhadas tempo a tempo, o que não é
uma tarefa nada fácil para um adolescente.
Neste processo de autoconhecimento é preciso ter firmeza e
equilíbrio, o que se adquire, também com muito conhecimento, para que haja
compreensão, sem desvalorizar o sofrimento. O esforço e envolvimento familiar
faz muita diferença neste caminho, como em qualquer etapa da vida. O trajeto
não é linear e previsível, mas com a família ao seu lado e a equipe transdisciplinar
de saúde, pode-se tornar menos penoso de ser percorrido. Em muitas situações,
os pais são o esteio dos adolescentes e para que isso seja possível eles
precisam ter equilíbrio.
Quando as questões familiares ultrapassam o que é possível ser
trabalhado no grupo de pais, temos algumas orientações mais particularizadas, e
quando a necessidade é ainda maior, serão feitos encaminhamentos para terapia
familiar ou individuais.
O papel fundamental das escolas e o
trabalho do grupo de orientação com equipe pedagógica e docentes
Um
dos fundamentais meios de socialização do ser humano, a educação é uma das
áreas que mais precisa entender e se apropriar sobre o tema da diversidade
sexual, mas sabe-se que apesar de já ter havido muitos avanços nas discussões,
temos muitos alunos que ainda sofrem e vivenciam muitas dificuldades dentro e
fora da sala de aula. Pensando em qual seria o papel do educador nessa questão
e como ele poderia se tornar ferramenta facilitadora das mudanças de nossa
sociedade; criamos em nosso ambulatório o grupo das escolas. Passamos a ter um contato mais próximo com as instituições
em que nossos pacientes estavam inseridos, mas prontamente ampliamos para as
equipes pedagógicas e docentes que tinham interesse em participar, se preparar
e se atualizar dentro desse tema.
Os encontros com as escolas ocorrem a cada três meses no
ambulatório, com a possibilidade de serem ampliados se houver disponibilidade
de tempo da equipe. Existem dois formatos que são realizados de forma
intercalada: aula expositiva e roda de conversa. Também damos orientação de
livros e filmes para inspirar novas discussões nas reuniões que serão feitas
entre os próprios membros da escola, mantemos um canal aberto por email que
pode ser acionado a qualquer tempo para serem dadas sugestões de novos temas
para os próximos encontros ou para assistência de algum tema emergente na
instituição que envolva a temática de crianças ou adolescentes transexuais.
Nessas rodas de conversa ouvimos orientadores, coordenadores e professores
relatarem suas dúvidas e experiências, discutimos a respeito do dia a dia da
escola e seus desafios, preconceitos, falta de compreensão dos temas
envolvidos, além das dificuldades enfrentadas com as crianças, seus pais e os
demais pais da escola. Nas aulas expositivas abordamos conceitos, conhecimentos
específicos e da realidade vivida pelas pessoas transexuais, além das leis
acerca do tema.
A escola tem um papel fundamental na vida das crianças e dos
adolescentes, além de contribuir com o conhecimento participa ativamente no
desenvolvimento biopsicossocial. Ela contribui eficientemente na construção,
ressignificação de valores e expressão da nossa sociedade e não seria possível
se isentar da sua responsabilidade na temática da transgeneridade.
As escolas precisam se atualizar e ter conhecimento das
dificuldades da transgeneridade para servirem de facilitadores para essas
crianças e adolescentes que frequentam a sua instituição, evitando assim o
abandono escolar, muito alto nesta população. Também é papel primordial zelar
pela integridade física da criança e do adolescente que estudam na sua escola,
além de treinar o grupo técnico que assiste essa população e de trabalhar com
os demais alunos, a fim de construir cidadãos que respeitem a diferença. A
escola é um importante agente de mudanças sociais e neste tema seu papel será
essencial, porque terá que se posicionar fortemente, mesmo que alguns pais das
crianças ou adolescentes que convivam com o individuo transgênero exerçam
resistência por preconceito. Perceber seu aluno dentro do contexto escolar,
compreendê-lo e facilitar sua convivência entre os demais é o objetivo de
qualquer instituição perante os temas LGBT.
A escola é espaço no qual o
aluno leva suas preocupações, inclusive as que não se referem aos conteúdos
discutidos na escola, suas dificuldades sociais e afetivas também são temas
entre os estudantes ou com os professores. Nas discussões das aulas, surgem
debates de vários problemas ligados ao desenvolvimento da sexualidade: namoro, ISTs
e Aids, autoestima baixa, desleixo nos cuidados pessoais, gravidez indesejada, violência
sexual, feminismo e machismo, questões de orientação sexual e identidade de
gênero, entre outros, que afetam não só o rendimento escolar, mas também seus
relacionamentos e sua qualidade e aptidão de vida.
Os dados oficiais evidenciam
que o Brasil tem conquistado importantes deliberações em relação aos grupos
minoritários da sociedade, como ampliação no acesso e no exercício dos
direitos, por parte de seus cidadãos. Entretanto, temos muitos desafios a
vencer como: a ampliação do acesso à educação básica e de nível médio, o
respeito e a valorização da diversidade. As discriminações de gênero,
étnico-racial e por orientação sexual, como também a violência da homofobia, ainda
são reproduzidas nos espaços da sociedade brasileira. A escola não foge a regra
e, muitas vezes, é um deles. O trabalho com as escolas visa fomentar a
discussão e a mudança desses paradigmas que nos colocam como primeiros nos
rankings de violência contra essas minorias; acreditamos que a cada encontra
possamos fazer por meio da reflexão e de profissionais comprometidos com essa
mudança, que sejam multiplicadores desses conhecimentos com seus pares em suas
instituições. Acreditamos que incluir referências às questões de gênero nas
escolas é dar o “start” para: o aperfeiçoamento
da qualidade da educação, superação das desigualdades e preconceito, e luta
contra a evasão escolar.
O grupo das escolas é um
momento de co-construção dos profissionais da equipe transdisciplinar do
ambulatório e das escolas presentes. Esse grupo oferece um espaço de discussão
e reflexão permanentes, para fortalecer o direito à sexualidade saudável, a
segurança e bem estar dos alunos, com o intuito de possibilitar ações
preventivas, assim como o respeito em relação à diversidade sexual.
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[1]Cissexual e cisgênero são termos utilizados para
se referir às pessoas cujo gênero é o mesmo que o designado em seu nascimento,
isto é, configura uma concordância entre a identidade de gênero de um indivíduo
com o gênero associado ao seu sexo biológico.