LUTO POR EMERGÊNCIAS E DESASTRES.
Elaine Gomes dos Reis Alves
Psicóloga e Docente; Pós-Doutorado
e Doutorado pelo Instituto de Psicologia USP; Mestre em Bioética e Especialista
em Perdas, Morte, Luto, Emergências e Desastres; Pesquisadora do Laboratório de
Estudos Sobre a Morte do Instituto de Psicologia USP; Membro do Centro de
Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres da USP (CEPED-USP); Fundadora da
Prestar Cuidados em Psicologia; Coordenadora do NIPED – Núcleo de Intervenções
Psicológicas em Emergências e Desastres. Formada em Gestão de Risco e Desastres pela
OIT/ONU, Turim, Itália. Contato:
elainegralves@gmail.com
Eu consigo lembrar, mas é muito ruim
ficar lembrando disso, é muito triste. Eu estava em casa com meu esposo, minha
irmã e meu filhinho. Na hora que eu escutei o barulho, já não tinha tempo de
fazer mais nada. Na hora que eu me dei por si, eu já estava ali naquele
desastre [...]. É muito difícil porque
eu ainda não sei o que vou fazer daqui pra frente. Meu filho ainda está
desaparecido, minha irmã também e eu perdi meu esposo. [...], a única coisa que
eu queria era a minha família do meu lado. Direito nenhum vai trazer eles de
volta. [...] A mineradora não entrou em contato com a gente até hoje pra
perguntar o que a gente tá precisando, é muito difícil. [...] Queria que se
alguém soubesse do filho e da minha irmã, que entrasse em contato com a gente,
porque a Vale não está deixando os hospitais identificar as pessoas que estão
lá”. (Paloma
Prates, afetada pela tragédia de Brumadinho/MG, em 25/01/2019)1
Inicio
este texto com a fala de Paloma Prates1, na tentativa de ressaltar o
sofrimento por perdas em situações de Emergências e Desastres (E&D) – na maioria
das vezes evitáveis - e sua queixa pela falta de acolhimento. O primeiro, o
mais básico e simples dos cuidados: perguntar se está precisando de alguma
coisa e passar o máximo possível de informação aos familiares e afetados
diretos. Ou seja, cuidar e acolher pessoas que passam por situações extremas em
suas necessidades físicas e psíquicas e, principalmente, voltar-se para ações
preventivas a fim de evitar perdas desnecessárias. Paloma Prates é uma das vozes
que gritam e, ao mesmo tempo, sussurram, entre as inúmeras vítimas de
desastres.
No
momento da notícia da tragédia em massa e durante o evento surgem várias
necessidades, dificuldades e entraves que prejudicam ações profícuas em
salvamentos, resgates e atenção às necessidades das vítimas diretas.
Desastres,
calamidades, catástrofes e/ou tragédias necessitam de cuidado diferenciado, com
estratégias e infraestrutura abrangente e coesa em todo um país e entre os
países. O local e a magnitude do evento, a intensidade dos danos e prejuízos, a
necessidade urgente de conhecimentos e equipamentos específicos somadas ao grau
de vulnerabilidade do ambiente afetado, pode necessitar de ajuda entre estados,
como as secas e enchentes no Brasil, ou entre países (ajuda internacional),
como tsunamis, terremotos, epidemias etc. e, porque não secas e enchentes do
Brasil?
De
acordo com o Marco de Sendai para Redução do Risco de Desastre 2015-20302,
entre 2005 e 2015, mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo foram afetadas por
desastres. Aproximadamente 23 milhões ficaram desabrigadas, mais de 700 mil
pessoas perderam a vida e mais de 1,4 milhão ficaram feridas. A perda econômica
corresponde a mais de US$ 1,3 trilhão.
Os desastres brasileiros estão ligados
principalmente à falta ou ao excesso de água: seca, enxurradas, alagamentos,
deslizamentos e inundações. Talvez por fazer parte da paisagem nacional, apesar
do mal que causam, nos acostumamos com esses incidentes, que se tornaram
rotineiros e sem valia. Finalmente, estamos percebendo a gama de consequências
causadas por eles e a necessidade de interferência para a Redução de Riscos e
Desastres (RRD).
Desde
2018, a UNISDR3 conceitua Desastre como:
Uma perturbação grave
do funcionamento de uma comunidade ou sociedade em qualquer escala devido a
eventos perigosos que interagem com condições de exposição, vulnerabilidade e
capacidade, levando a um ou mais dos seguintes: perdas e impactos humanos,
materiais, econômicos e ambientais. Anotações: O efeito do desastre pode ser
imediato e localizado, mas geralmente é generalizado e pode durar um longo
período de tempo. O efeito pode testar ou exceder a capacidade de uma
comunidade ou sociedade de lidar com seus próprios recursos e, portanto, pode
exigir assistência de fontes externas, que podem incluir jurisdições vizinhas
ou em nível nacional ou internacional.
Enquanto
Emergência:
Usada de forma intercambiável com o termo desastre, como, por exemplo, no
contexto de riscos biológicos e tecnológicos ou emergências de saúde, que, no
entanto, também podem estar relacionados a eventos perigosos que não resultam
em séria perturbação do funcionamento de uma comunidade ou sociedade.
Eventos de
grande magnitude costumam ser altamente destrutivos, resultando em muitas
mortes e várias pessoas feridas, além de avarias importantes no local do
desastre. Trata-se de um acontecimento de caráter dramático, sinistro e
funesto, capaz de despertar lástima, piedade e terror, com consequências
danosas para além das pessoas e do local atingido. Geralmente, há desproporção
entre os recursos disponíveis e aqueles que são necessários para resolução do
problema.
A
principal característica do desastre é comprometer a vida e/ou a integridade
física de vários indivíduos, com intensas alterações nas pessoas, nos bens,
serviços e meio-ambiente, que excedem a capacidade de resposta da comunidade
afetada.
Para
a psicologia, o conceito de desastre depende da perspectiva daquele que o
nomeia e do lugar que ele ocupa nessa interação com o incidente. Trata-se de
uma ruptura do funcionamento habitual de um sistema ou comunidade, que impacta
o bem-estar físico, social, psíquico, econômico e ambiental de determinada
localidade4.
A Morte Escancarada
Desastres carregam consigo o retrato da “morte escancarada”5, definição
para a morte inesperada, repentina, violenta, pública e sempre traumática.
Penetra na vida das pessoas e provoca alterações significativas, excede a
capacidade de resposta de indivíduos, famílias e comunidades e dificulta a
proteção e o controle de suas consequências. Pessoas ficam expostas e
indefesas. Ela provoca o choque que desestabiliza e dificulta o processo de
luto e pode promover o luto complicado.
Na morte
escancarada pode haver desfiguração, mutilação, ausência de corpo ou apenas
parte dele. Torna-se um evento público com muitas pessoas envolvidas (vítimas,
familiares, comunidade, socorristas), inclusive a mídia. Há exposição das
pessoas e suas histórias tornam-se objetos de comentários, críticas e
julgamentos6.
É possível pensar em três tipos de morte escancarada: 1) acidentes em
massa; 2) a morte violenta das ruas, como acidentes e crimes; 3) a morte veiculada
pelos órgãos de comunicação, principalmente a TV.
A morte é escancarada porque acontece nas ruas, de maneira brutal e é
presenciada por qualquer pessoa, inclusive crianças. Também é escancarada porque, se não presenciada,
a mídia de uma forma ou outra, leva essa morte até os cidadãos. Leva pessoas
absolutamente distantes do fato a se envolver e até sofrer, mesmo que pessoas e
comunidades envolvidas sejam totalmente desconhecidas.
As imagens e depoimentos trazidos pela
TV, muitas vezes superficialmente, têm a força de despertar os mais variados
sentimentos, porém, sem possibilidade de reflexão e elaboração. Mostrar cenas
trágicas e imediatamente cortá-las com comerciais ou outras amenidades banaliza
a morte e passa a mensagem de “vai ficar
tudo bem”, nublando o verdadeiro significado da morte.
A morte é um tema interdito e, por não
se poder falar dela, se transforma em espetáculo. A morte vende, e muito!
Quanto mais requintes de crueldade, ou quanto maior a tragédia, mais cara ela é.
O fascínio em relação a morte e a necessidade de consumo dela são observados no
aumento do índice de audiência quando o tema é presente. Esse consumo acontece
devido a necessidade de entender o fenômeno da morte, a última fase do
desenvolvimento humano.
Um dos problemas da morte escancarada pela mídia é a sensação de distanciamento do
fato. O assistente não percebe a possibilidade de aquele tipo de evento, ou
outro, acontecer com ele. A expressão “Pode
acontecer com qualquer um”, não costuma nos incluir.
Eu estava na fila do caixa do supermercado quando meu
irmão ligou dizendo que o avião estava desaparecido. Na hora que larguei meu
carrinho lá, cheio de compras, naquela hora eu deixei de ser uma pessoa comum.
Desde então, quem volta para casa, não é a mesma pessoa que saiu para ir ao
supermercado. Quando ia imaginar que eu estaria num quarto de hotel, esperando
notícias sobre o corpo do meu irmão. (Depoimento de parente de vítima de
acidente aéreo. Psicologia em Emergências. Coordenadoria Regional de Defesa
Civil. São Paulo: Campinas, 2007).
Alguns desastres são previsíveis, como
as enchentes no Brasil, terremotos e furacões em outros países e possibilitam
ações preventivas. No caos, frente aos diversos tipos de perdas e aos consequentes
sentimentos e comportamentos das pessoas, a intervenção deve ser imediata.
Desastres exigem intervenções
especializadas!
Perdas:
Morte Simbólica ou Morte em Vida
Muitas
perdas estão associadas a morte. Elas rompem um vínculo tão forte que deflagram
o luto, porém, nem sempre essa dor é autorizada por ser considerada “menor”, pois
não houve morte de pessoa querida.
Em trabalho
anterior7 conceituei três tipos de morte em vida:
·
Morte do Filho Idealizado –
Crianças que nascem portadoras de qualquer condição diferente da esperada
(deficiências físicas, mentais, doenças etc.), ou adquirem uma deficiência após
um evento traumático.
·
Morte de Si Mesmo em Vida –
Fatos que obrigam a pessoa mudar os caminhos planejados e reestruturar sua vida
em função de sua nova condição: Falências, perda de emprego ou aposentadoria;
separações; diagnóstico de doenças crônicas; doenças estigmatizadas (aids,
psiquiátricas etc.); doenças graves e/ou terminais; mutilações provocadas por
doenças; mutilações/deformidades provocadas por tragédias; perda de filho.
·
Morte Sublimada em Vida –
Furtos (carros, residências, bolsas etc.); perda de roupas, móveis e utensílios
em tragédias; perda de fotografias, livros; morte de animais de estimação;
perda de veículos de transporte; perda da casa.
São inúmeras as perdas decorrentes de
desastres, que podem ser individuais e coletivas (sociais). Em desastres é possível
encontrar a morte concreta e/ou a morte de si mesmo em vida
(mutilações/deformidades adquiridas). Além de pessoas queridas é possível
perder tudo aquilo que foi conquistado durante toda a vida. A perda pode ser
única, múltipla ou total. Também se perde a identidade, a dignidade, a confiança
e a segurança.
Quando alguém sobrevive a um trauma em
que a vida esteve em risco, é comum, na tentativa de diminuir o sofrimento, a
desvalorização e a banalização da perda (“o
importante é estar vivo”; “você não perdeu ninguém, só coisas”). Tais
atitudes dificultam o pesar (experiência de tristeza profunda ou violenta) e o
processo de luto (a expressão dessa tristeza).
Em
situações de desastres, devido ao choque, a pessoa perde as defesas comuns,
como se todos os mecanismos para enfrentar dificuldades que foram aprendidos ao
longo da vida, não servissem mais. A falta de controle sobre a situação e sobre
si mesma traz a sensação de impotência
Perdas múltiplas e simultâneas são mais
traumáticas e podem minar as redes de apoio necessárias e de confiança da
população afetada8. Por outro lado, quem oferece apoio, também pode
estar em risco. As características do desastre, sua intensidade e alcance
influenciam o dano psicossocial e o tipo de resposta necessária.
Importante
esclarecer que em situações trágicas, no aspecto psicológico, não existe dor
maior ou menor, mais ou menos importante (diferente de necessidades médicas). A
mesma atenção e cuidado devem ser dispensados às pessoas que perderam entes
queridos, animais de estimação, casas ou álbuns de fotografias. Todos precisam
ter sua perda, dor e sofrimento reconhecidos, validados, valorizados e
cuidados.
Julgamentos
e críticas só atrapalham nesse momento. As pessoas envolvidas perdem a
referência, os sentidos, não sabem o que fazer e fazem qualquer coisa, ou não
conseguem fazer nada.
Luto
O luto corresponde a um dolorido processo de elaboração da
perda e, embora provoque afastamentos das atividades cotidianas, a princípio,
não se propõe a necessidade de tratamento médico. Trata-se de um processo individual normal, importante,
necessário, saudável e extremamente difícil e dolorido. O luto é a fase mais
difícil pela qual o ser humano irá passar em toda sua existência8 e,
que envolve uma sucessão de quadros clínicos que se mesclam e se substituem. Suprimir
a dor poderá prolongar esse processo de aprendizagem.
Alguns autores citam fases
observadas durante o processo de luto8,9,10,11, porém, é importante
ressaltar que não existe uma sequência exata e nem todas as pessoas passam por
todas as fases. O luto é individual e cada um passa por ele à sua maneira e ao
seu tempo.
Não existe um período de tempo
estipulado como “normal” para o luto, cada pessoa, de acordo com seu vínculo
com quem ou aquilo que foi perdido, necessita de seu tempo interno para
elaborar a própria perda. Muitas pessoas pensam que o luto normal dura um ou
dois anos, o que não é verdade. No primeiro ano após a morte de um ente
querido, todos os eventos ou fases são uma novidade difícil de ser enfrentada:
Natal, aniversários e datas especiais para a pessoa enlutada ligadas àquela
falecida são desconhecidos e até assustadores. Ao completar um ano da morte, apenas
se fecha esse ciclo de datas já vividas sem a pessoa, não é mais estranho. Não
significa necessariamente que diminuiu a dor, ou o fim do processo de luto.
Completar um ano da morte também é
muito dolorido. O indivíduo enlutado quer muito segurar o último dia que esteve
com o ente querido que morreu e, a cada dia que passa, fica mais distante desse
último dia. Um ano significa que, mesmo parecendo que foi ontem, já faz muito
tempo que a pessoa morreu e há a tomada de consciência de que o “último dia” ficará
cada vez mais longe. O aniversário de um ano costuma resgatar os mesmos
sentimentos do dia da morte, por isso a importância de rituais fechando esse
ciclo.
Considera-se
o término do processo de luto quando a pessoa enlutada aprende a viver sem a
pessoa que morreu. Antes, porém, o enlutado
passa do entorpecimento à dor profunda e se faz necessária a compreensão de que
esse processo é natural e absolutamente necessário. A saudade aumenta, mas a
pessoa volta a fazer planos e empreende projetos que não mais incluem quem
morreu.
Pessoas
enlutadas têm necessidade de falar várias vezes, tanto de quem morreu, quanto
como morreu. É preciso respeitar esse momento e estar sempre próximo de quem
está entrando em contato com a perda. No luto é normal:
Ø
Crises
de choro, não controlar as lágrimas;
Ø
Perda
de apetite;
Ø
Insônia,
ou dormir demais;
Ø
Desejo
de ficar só;
Ø
Sentir-se
anestesiado, com sensação de que não é verdade, estar sonhando;
Ø
Dor
(buraco/aperto) no peito;
Ø
Sentir
raiva e buscar um culpado;
Ø
Ficar
deitado, não querer se levantar, não ter vontade de fazer nada;
Ø
Pensamentos
recorrentes, procura pela pessoa;
Ø
Desejo
de ir junto com quem morreu;
Ø
Necessidade
de falar;
Ø
Manter
a pessoa viva, imaginar que conversa com ela, desejo de trazer de volta;
Ø
Sentimento
de solidão.
O processo acima citado corresponde
ao luto normal. Quando isso não ocorre, pode ocorrer o “Luto Complicado” (Não
se utiliza mais o termo “luto patológico”).
A
morte traumática, que ocorre em situações de E&D, propicia o “luto
complicado” e, por isso, a importância de intervenções psicológicas imediatas. Desde
a negação da morte e outras perdas, até a impossibilidade de adequação à nova
realidade, a intensidade de sofrimento do indivíduo pode levar diversos tipos
de adoecimento mental, inclusive depressão e suicídio.
Além
de todas as perdas, contribuem com o aumento do sofrimento, o abandono e o
descaso por parte do poder público e dos responsáveis pelo evento, bem como, a
invasão descuidada da mídia que expõe as pessoas afetadas e, muitos da
sociedade em geral, que acusam as próprias vítimas e os afetados pelo desastre.
OBS.: A ausência de corpo e de rituais de despedida (velório) pode contribuir
para o luto complicado.
Condições que Favorecem o Luto Complicado
A resistência à mudança e a relutância em abrir mão da pessoa são as bases
do luto8. De modo geral, morte violenta, abrupta, repentina e,
principalmente, de crianças e jovens, extrapola a condição de compreensão, representando
risco para a saúde mental, uma vez que se torna mais difícil abrir mão da
pessoa.
Sempre que se perde alguém querido há necessidade de encontrar um sentido
para aquela morte, para que ela possa, no mínimo, ser compreendida e quanto
maior a violência, mais difícil se torna essa compreensão.
Desastres e perdas múltiplas são capazes de minar as redes de apoio e
aumentar a vulnerabilidade do indivíduo. A exposição à mídia; informações
deturpadas e boatos, a devassa à privacidade da pessoa e sua família, a mistura
de sentimentos e a falta de tempo para compreender os fatos também podem
atrapalhar.
Os eventos que aumentam a sensação de vulnerabilidade e perda da
confiança no futuro favorecem o luto
complicado. Estes geram sentimento de impotência e de incompetência e aumentam
a sensação de desamparo. O choque e a descrença dificultam o contato com a nova
realidade e podem levar ao “entorpecimento”.
São complicadores:
Ø
Perdas
múltiplas;
Ø
Tipo
de morte e exposição à mídia, principalmente em caso de morte estigmatizada, ou
causa de vergonha;
Ø
Segredos
relativos à morte ou a sua causa. Ex.: césio, questões políticas;
Ø
Grande
número de pessoas envolvidas;
Ø
Número
insuficiente de cuidadores;
Ø
Falta
de suporte;
Ø
Profissionais
de socorro e saúde envolvidos no acidente;
Ø
Corpos
mutilados e/ou desfigurados;
Ø
Ausência
de corpo;
Ø
Dificuldade
na condução dos rituais: velório, enterro, outros.
Desastres
demandam atenção e cuidados de todas as áreas de conhecimento que levem em conta suas características particulares e, em termos
de prevenção e enfrentamento, a comunidade afetada. Tragédias podem provocar
sensações, sentimentos e emoções como: impotência, horror, dor, medo, pânico,
angustia, ansiedade, contato com a própria morte e de outros e questionamento
de valores e crenças12. Assim, ressalta-se a importância da
continuidade de acompanhamento de afetados
diretos e familiares, que precisam de:
Ø
Apoio e orientação
para restaurar a rotina diária;
Ø
Orientações para
evitar tomadas de decisões drásticas (demissão, mudança de residência etc.);
Ø
Esclarecimentos
sobre sintomas físicos e psíquicos esperados;
Ø
Avaliar junto com a
pessoa quais suportes oferecidos podem ou não ser suspensos e como;
Ø
Encaminhamentos,
quando necessário, para atendimentos especializados;
Ø
Favorecer rede de
apoio familiar, social e profissional;
Ø
Favorecer vínculos
agregadores, contatos sociais;
Ø
Atenção às
necessidades pessoais e materiais;
Ø
Identificação de fatores
de risco;
Ø
Observar e
acompanhar crianças em casa e na escola
Ø
Favorecer maior
qualidade de vida, dentro do possível nas condições em que se encontram.
É importante
estimular, apoiar e favorecer a formação de grupos de encontros entre vítimas
de tragédias. Tais encontros são altamente significativos e saudáveis, pois
propiciam apoio mútuo entre pessoas que sofrem pelo mesmo motivo e podem,
juntas, elaborar rituais, homenagens e, também, buscar direitos. Tais encontros
favorecem o luto coletivo, uma vez que todos sofrem pelo mesmo motivo e, entre
eles, é autorizado falar sobre quem e o que foi perdido e a expressão de
sentimentos distintos, como raiva, amor, saudade, choro intenso entre outros.
Ao mesmo tempo, as pessoas se consolam entre si e se fortalecem. O luto
coletivo favorece a elaboração do processo do luto
Desastres diferem de outros traumas e
exigem apoio diferenciado daquele oferecido em situações de perda e estresse. A
experiência do evento e suas consequências são influenciadas pela personalidade
do indivíduo, dos estressores já vividos, recursos de enfrentamento, recursos
de apoio e capacidade de adaptação. Pode inclusive, trazer mudanças positivas.
Uma tragédia repercute sobre toda
comunidade atingida e provoca uma mudança aguda, para a qual, muitas vezes, não
estava preparada.
Não há imunidade para um desastre.
Pessoas que passam por isso têm suas vidas profundamente alteradas, perdem a
ilusão de segurança (acontece comigo!), podem ressignificar valores e objetivos
de vida. A maioria se recupera do trauma e podem tornar-se mais fortes,
sensíveis e engajar em alguma causa.
Os cuidadores e/ou socorristas têm
responsabilidades como: saber da importância de ser treinado; saber responder a
situações e/ou pessoas e, principalmente, saber dar e pedir apoio.
Para a recuperação da crise são
importantes ações/atitudes como: Apoio; Informação apropriada; Encontros de
sobreviventes; Comunicações entre sobreviventes.
Após experiências traumáticas é comum
que a pessoa sinta: Medo, ansiedade, desorientação, luto, dissociação,
confusão, tristeza, dor, falta de vontade e habilidade para se cuidar entre
outros sintomas.
Quando se deseja apoiar, mas não se está
preparado é grande o risco de ser inadequado e também de adoecer. Há
necessidade de saber o que fazer e o que não fazer.
Finalmente, é
importante estar consciente de que as experiências de trauma são pessoais,
individuais, únicas, subjetivas e singulares, portanto, jamais será igual de
uma pessoa para outra
Estou com a memória
repleta de biografias de mulheres que um dia saíram de suas casas e tiveram
amputado seu direito, dito universal, de ser humana. Estou recheada de seres
que tiveram seu acesso à liberdade negado, gente que ficou três, quatro, cinco
meses ou anos sequestrada dentro da selva congolesa. Gente que teve seu corpo escravizado
em um passado recente e que mantém os pensamentos em uma prisão sem amarras;
gente que esqueceu como é ser humano. 12.
REFERÊNCIAS
1. Estado de Minas
Gerais. 2019. Vítima de tragédia em
Brumadinho resgatada por corda fala pela primeira vez. Entrevista concedida
para o programa Mais Você, de United Nations Office for Disaster Risk
Reduction. https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2019/02/01/interna_gerais,1026846/vitima-de-tragedia-em-brumadinho-resgatada-por-corda-fala-primeira-vez.shtml Acesso em: 05/09/2019.
2. UNISDR United Nations Office for Disaster Risk Reduction. Marco de Sendai para a redução de risco de Desastre
2015-2030. UNISDR/ONU. Disponível em:
http://www1.udesc.br/arquivos/id_submenu/1398/traduzido_unisdr___novo_sendai_framework_for_disaster_risk_reduction_2015_2030__portugues__versao_31mai2015.pdf Acesso em: 03/08/2019
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https://www.unisdr.org/we/inform/terminology Acesso em:
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4. Franco, M. H. P.
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