Verônica A. da Motta Cezar-Ferreira(*)
O
direito brasileiro determina a convivência entre pais e filhos,
independentemente do estado civil dos pais, o que a mais tradicional psicologia
de há muito preconiza. Na lei, a obrigatoriedade de propiciar convivência com o
outro genitor, quando os pais são separados, com os avós, família extensa e
comunidade social é explicitada no art. 227 da Constituição Federal de 1988. O
Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, mais conhecido como ECA,
reafirma a norma constitucional, em seu artigo 19.
O
princípio maior que embasa a Constituição do Brasil é o da dignidade humana e,
em relação às crianças e adolescentes, acrescente-se que deverá prevalecer o que
for do melhor interesse dos mesmos, compreendido no âmbito de sua proteção
integral.
Assim,
devem ser preservados, em relação à criança, a dignidade humana, como a
qualquer outro cidadão, e sua proteção integral.
Nas
últimas décadas, mais e mais casais se separam, não cabendo neste breve artigo
estendermo-nos quanto às razões das separações. O fato é que o número aumentou
e aumenta, significativamente, dando azo a diferentes posturas parentais.
Vários fatores
contribuem para a ruptura do relacionamento familiar após a separação ou o
divórcio. Dentre esses, encontram-se cada vez com mais frequência esforços de
genitor ou genitora para impedir a convivência do filho com o outro. As
acusações são de vária ordem, podem ser verdadeiras ou falsas, e, por isso,
requerem cautelosa avaliação. É o caso das alegações de alienação parental e
abuso.
A
alienação parental constitui-se em um dos mais dramáticos eventos que podem
ocorrer em casos de separação ou divórcio. O objetivo é alijar o pai ou a mãe
da vida dos filhos.
O
direito brasileiro passou a contemplar esse fenômeno a partir de 2010, quando
foi promulgada a Lei nº 12.318/10, Lei de Alienação Parental. O fenômeno, como
tal, entretanto, foi reconhecido e conceituado pelo psiquiatra americano
Richard Gardner, em 1985.
Em maio de 2003, ano de sua
morte, Richard Gardner escreveu a Introdução do The International Handbook of
Parental Alienation Syndrome (GARDNER et al, 2006). Nela, Gardner lembra como
floresceu a atividade de alienação parental. Diz que, desde 1970, cresceram as
disputas por guarda, uma vez que se passou da ideia de que a mãe era mais
apropriada para a criação dos filhos, para se priorizar a ideia de qual dos
genitores teria mais condições de fazê-lo em benefício do melhor interesse das
crianças. E que, nesse contexto, os pais (homens) teriam que provar, em Juízo,
fortes deficiências das mães para obtenção da guarda.
Conforme tradução de Rita Rafaeli para o texto de Richard Gardner
(2002), autor da teoria sobre Síndrome de Alienação Parental:
Síndrome
de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da infância que aparece quase
exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua
manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores,
uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma
justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a
“lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria
criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais
verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e
assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da
criança não é aplicável. (GARDNER, 2002, p.2).
Gardner chamou a
alienação parental de síndrome, pela primeira vez, em 1985, continuando a
defender tal nomenclatura. Ele defende a posição com a afirmativa de que, nesse
fenômeno, alguns sintomas aparecem, tipicamente, juntos, justificando chamar a
esse conjunto de síndrome.
Para a prática
clínica e para as perícias é secundário se o DSM V[1]
aceita o nome síndrome, ou não, mas é primário que a maioria dos sintomas
esteja presente para a avaliação, sob pena de se incorrer em sério erro e
inculpar um genitor inocente de alienar o filho contra o outro.
Como fenômeno, a
alienação parental consiste, conforme seu preconizador, em uma programação da
criança por um genitor para denegrir o outro, ou seja, em uma “lavagem cerebral”, mas também em
contribuições criadas pela própria criança em apoio à campanha denegritória da
mãe ou pai alienado.
Do
ponto de vista psicológico, a alienação parental é observada no distanciamento
afetivo da criança em relação ao genitor alienado: sua desconfiança, sua
animosidade, seu desejo de se afastar, rapidamente. São criadas falsas memórias
no filho.
Gardner
(2002) entende que a programação da mente da criança é uma forma de abuso
emocional que enfraquece, gradativa e progressivamente, o vínculo afetivo entre
um genitor amoroso e seu filho, podendo vir, inclusive, a diluí-lo.
Alguns
dos sintomas apresentados são:
1. Uma campanha
denegritória contra o genitor alienado.
2. Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para a
depreciação.
3. Falta de ambivalência.
4. O fenômeno do “pensador independente”.
5. Apoio automático ao genitor alienador no conflito
parental.
6. Ausência de culpa sobre a crueldade a e/ou a
exploração contra o genitor alienado.
8. Propagação da animosidade aos amigos e/ou à família
extensa do genitor alienado.
O autor citado
empenha-se em defender a nomenclatura Síndrome de Alienação Parental em
detrimento da expressão Alienação Parental, argumentando que aquela é
facilmente identificável e esta pode ser mascarada por outras atuações, como
abuso sexual, físico, parentalidade disfuncional ou negligência.
Algumas
atitudes do genitor, seja o pai ou a mãe, que deseja afastar o outro da vida
dos filhos são:
Contar,
detalhadamente, ao filho como se deu a separação.
Mostrar
o outro genitor como pessoa perigosa e não confiável.
Fazer
o filho tornar-se espião da vida do outro.
Arrumar
programas interessantes e divertidos nos dias de visita do genitor para que a
criança não queira sair.
Lembrar
ao filho o tempo todo de coisas desagradáveis ocorridas com o outro genitor.
Mudar
de endereço sem comunicação.
Combinar
visita com o outro e dar horário e local diferentes para os filhos, fazendo-os
esperar e achar que o pai ou a mãe os desprezou e não os ama.
Levantar
falsas acusações de uso de álcool e drogas.
Sugerir
a ocorrência de abuso sexual.
Este
rol não é taxativo, mas exemplificativo.
Exemplificativo,
também, é o rol constante do parágrafo único do art. 2º da Lei de Alienação Parental.
Isso, porque, como foi dito, do ponto
de vista jurídico, a alienação parental foi transformada em lei, com a
promulgação da Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010.
Esta lei prevê, em seu artigo 2º:
Art. 2o Considera-se ato de
alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do
adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que
tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para
que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de
vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de
alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por
perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar
campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou
maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade
parental;
III - dificultar
contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o
exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais
relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e
alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra
familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles
com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem
justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com
o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
A mesma lei, em
seu art. 6º, prevê medidas coercitivas para as atitudes acima elencadas.
Art. 6o
Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que
dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma
ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da
decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de
instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a
gravidade do caso:
I -
declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II -
ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III -
estipular multa ao alienador;
IV -
determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V -
determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI -
determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII -
declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo
único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou
obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de
levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por
ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.
Observa-se no texto legal algo que só nos últimos tempos
vem acontecendo no Direito de Família: a admissão de psicólogos para trabalhos
que não só os de perícia.
Foi um grande avanço, considerando-se que a
alienação parental requer um olhar interdisciplinar, particularmente dentro da visão psicojurídica, e a atuação dos
profissionais de saúde especializados na dissolução de conflitos interpessoais
é de fundamental importância na avaliação e esclarecimento do conflito que se
estabelece e que se manifesta, judicialmente. Experiência, no entanto, é
fundamental.
(*) Verônica A. da Motta Cezar-Ferreira - Psicóloga e advogada. Doutora
e Mestre em Psicologia clínica (PUC-SP). Bacharel em Direito (USP). Diretora de
Relações Interdisciplinares da Associação de Direito de Família e das Sucessões
(ADFAS). Membro fundadora da Associação Brasileira de Psicoterapia (ABRAP).
Membro do Conselho de Educadores da Escola de Pais do Brasil (EPB). Membro dos
pioneiros da mediação e da terapia familiar no Brasil. Consultora da OAB-SP nas
Comissões da Mulher Advogada e de Família e Sucessões. Introdutora da Visão
Psicojurídica na área da família, especialmente no contexto das separações
judiciais. Professora de Pós-Graduação, escritora, poeta, palestrante e
conferencista. Terapeuta individual, de casal e de família; mediadora
psicojurídica, perita e consultora psicojurídica de famílias.
[1]
PSIQWEB. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. Disponível em: <http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php>.
Acesso em: 29 mar. 2013.