Estilos de Apego: Impactos na Formação de Vínculos e no Rompimento Saudável
Neste artigo daremos sequência iniciada em texto anterior, que abordou a relação entre a capacidade de mentalização, descrita por Peter Fonagy [1] [2], e os conflitos em separações litigiosas. Vale destacar que o conceito de mentalização proposto por Peter Fonagy se apoia em alguns pilares fundamentais. Dentre eles, possivelmente o mais importante, foi a teoria do apego, desenvolvida por John Bowlby [2] e ampliada por importantes contribuições de Mary Ainsworth [3] e Mary Main [4]. Nosso objetivo aqui é apresentar de forma sucinta e inicial como os estilos de apego podem influenciar na formação e rompimento do vínculo amoroso.
A teoria do apego é fundamental para compreendermos uma série de questões fundamentais, incluindo os modelos internos operantes, que são as representações mentais formadas na infância, com nossas figuras de apego em especial. Essas representações moldam como percebemos o mundo, como interpretamos as intenções dos outros e como reagimos a elas. Influenciam, também, nossa formação tanto em nível intrapsíquico (a relação com nossos sentimentos, pensamentos e emoções), quanto interindividual (nas relações com os outros). Se conecta, também, à nossa capacidade de mentalização, tal qual proposta por Peter Fonagy, que, como dito, vimos no artigo anterior e que, pela complexidade do tema, não nos estenderemos aqui.
A teoria do apego e a capacidade de mentalização estão interligadas. A mentalização é a capacidade de compreender tanto os próprios estados mentais quanto o dos outros. Segundo Peter Fonagy, o apego seguro facilita essa capacidade, pois cria um meio acolhedor, no qual a criança poderá explorar o mundo com segurança. O apego inseguro dificulta essa habilidade, muitas vezes distorcendo a forma como as pessoas interpretam seus comportamentos e intenções – bem como os dos demais – e regular suas próprias emoções.
A teoria do apego nos auxilia, também, a compreender a psicopatologia de forma mais aprofundada, estudo que tem sido explorado em inúmeras obras, incluindo as de Antoine Guedeney [5],[6],[7] Neste artigo, nosso foco está nos relacionamentos amorosos, desde a escolha dos parceiros até a dissolução do vínculo, seja ela saudável ou não. Duas obras significativas nessa área são as de Collins e Read [8], e Hazan e Shaver [9] dentre inúmeras outras.
Mary Ainsworth descobriu dois tipos de apego em bebês/crianças: o apego seguro e o inseguro. O apego inseguro foi subdividido por ela em dois tipos: o inseguro ansioso e o inseguro evitativo. O apego seguro, segundo a autora, é caracterizado pela confiança no cuidador, promovendo a capacidade da criança em explorar o ambiente ao redor. Esses casos frequentemente resultam em relações afetivas estáveis e confiança nos parceiros românticos na vida adulta. No apego inseguro ambivalente, há uma preocupação do bebê/criança, em ser abandonada. Os relacionamentos, posteriormente, tendem a ser caracterizados por uma insegurança emocional, onde a ambivalência afetiva é um aspecto importante. No apego inseguro evitativo, as relações tendem a ser construídas de forma a evitar uma proximidade e dependência, além de suprimir as emoções, principalmente em situações de estresse.
Posteriormente, Mary Main descobriu um novo tipo de apego inseguro, o apego desorganizado. Esse tipo de apego é frequentemente ligado a experiência precoces com os cuidadores, marcadas por vivências de trauma e/ou negligência. Miljkovitch [10] acrescentou uma importante contribuição ao constatar que o apego desorganizado pode surgir também em decorrência de cuidadores que foram eles próprios negligenciados ou traumatizados, cujos comportamentos resultantes de suas experiências podem gerar esse tipo de apego nos filhos.
Os estilos de apego tendem a moldar os padrões de interação nos relacionamentos amorosos. Os indivíduos com padrão de apego seguro, demonstram uma confiança maior no vínculo e na comunicação com o parceiro. Tais aspectos contribuem para uma resolução mais construtiva nos conflitos, tanto durante o vínculo quanto após a separação, quando esta, por alguma razão, é inevitável.
Por outro lado, os estilos de apego inseguro geram um desafio maior, principalmente quando os dois companheiros tem apego inseguro. No caso do apego ambivalente, por exemplo, há uma hipervigilância em relação ao risco de abandono, o que pode levar a interpretações distorcidas de ações do parceiro. Frequentemente, os ciúmes excessivos podem ser um exemplo da hipervigilância, ou uma preocupação excessiva quando o companheiro não responde imediatamente a alguma demanda, para citar alguns exemplos. O indivíduo nestas condições normalmente toma satisfações de forma hostil com o companheiro, frequentemente desencadeando um conflito sem bases reais, desgastando o relacionamento.
No apego evitativo a pessoa tende a evitar a proximidade emocional, dificultando a intimidade. Acha difícil tanto depender de alguém e vice-versa. Imaginemos um casal composto por um dos companheiros com apego inseguro ambivalente e outro com apego inseguro evitante. Essa combinação pode resultar um uma dinâmica difícil, na qual um deles busca proximidade para se sentir seguro enquanto o outro busca justamente o oposto, o que propicia um terreno em que se construirão frequentes desavenças.
O apego desorganizado reflete dinâmicas mais difíceis, complexas, influenciadas, numa maioria de casos, por traumas ou negligência na infância. Indivíduos com esse padrão, têm tendência a interpretar o comportamento do companheiro de forma distorcida, além de um padrão de hiperreatividade exacerbada. Tal conjunção pode conduzir a conflitos intensos, com risco de sérias agressões verbais e, em alguns casos, físicas. A insegurança gerada por esse tipo de apego pode dificultar a separação definitiva, resultando em um relacionamento difícil de romper. E, muitas vezes, a separação física não concretiza a separação emocional, podendo haver uma tendência a transpor as brigas intensas do relacionamento para o período de separação. Esse padrão frequentemente perpetua o vínculo, de forma inconsciente, ainda que por meio dos conflitos.
Nossa prática clínica e pericial, fundamentada na literatura da teoria do apego e da psicanálise contemporânea, que já temos estudado e aprofundando ao longo dos anos [11], incluindo a análise realizada em nossa tese de doutorado sobre casais em conflito e padrões de mentalização envolvidos, tem demonstrado que as dinâmicas presentes na origem dos vínculos amorosos frequentemente se refletem no momento da separação. Os padrões de apego tendem a influenciar significativamente como cada parceiro lida com o rompimento. Indivíduos com apego seguro costumam buscar soluções mais colaborativas, enquanto estilos de apego inseguros frequentemente intensificam os conflitos, dificultando uma resolução pacífica.
O vínculo do ex-casal muitas vezes é perpetuado após a separação por meio de brigas, em especial se há filhos que servem de um elo e entre eles. Os filhos, inevitavelmente, são afetados pelos padrões de apego e mentalização de seus pais. Quando os pais estão presos a dinâmicas litigiosas, os filhos são colocados em situação de uma lealdade dividida. Expostos a conflitos que não conseguem compreender ou sequer nomear, os filhos podem ter seu desenvolvimento emocional comprometido, incluindo sua capacidade de estabelecer vínculos saudáveis no futuro.
A teoria do apego oferece diretrizes para intervenções que podem melhorar a dinâmica entre ex-parceiros e prevenir danos adicionais aos filhos. Existem estratégias psicoeducacionais que visam esclarecer aos pais como suas ações, emoções e afetos podem impactar as interações com seus filhos. O livro instrutivo de Siegel e Hartzell [11] é adequado para o público em geral. Além disso, várias obras focam na psicoterapia baseada no apego com indivíduos, casais e famílias, como as de Susan Johnson et al. [11], que se concentram em ajudar os pais a identificar e melhorar seus estilos de apego. Outro aspecto importante, especialmente em separações contenciosas, é o desenvolvimento de uma coparentalidade cooperativa entre os pais, proporcionando maior segurança para as crianças, conforme discutido por Aurisha Smolarski [12].
Conclusão.
Neste artigo vimos como os estilos de apego são adquiridos nas relações iniciais com os cuidadores e como esses estilos de apego influenciam diversos aspectos de nossa existência. Ressaltamos como os estilos de apego influenciam tanto nossas relações amorosas quanto a separação. Pessoas com apego seguro, de modo geral, têm relacionamentos menos conflituosos, mesmo após a separação. Isso não é tipicamente o caso com o apego inseguro em todas as suas formas, mas especialmente com o apego desorganizado, onde a intensidade e a duração dos conflitos tendem a impactar mais profundamente as crianças.
Compreender os estilos de apego é importante para entender os padrões de interação nos relacionamentos e para intervir em contextos de conflitos mais acentuados. A teoria do apego fornece ferramentas essenciais para trabalhar com indivíduos, casais e famílias em diferentes áreas: psicoeducação, psicoterapia e promoção de uma parentalidade mais saudável.
O conhecimento sobre estilos de apego e sua aplicação prática auxilia na resolução de conflitos atuais, bem como para prevenir padrão disfuncionais em gerações futuras, promovendo mais saúde emocional para os envolvidos.
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Lidia Rosalina Folgueira Castro
JURIST, Elliot L.; TARGET, Mary. Affect Regulation, Mentalization, and the Development of the Self. New York: Other Press, 2002.
2. FONAGY, Peter. Attachment theory and psychoanalysis.New York, 2001.
3. BOWLBY, John. A Secure Base: Parent-Child Attachment and Healthy Human Development. New York: Basic Books, 1988.
4. AINSWORTH, Mary D. S.; BLEHAR, M. C.; WATERS, E.; WALL, S. Patterns of Attachment: A Psychological Study of the Strange Situation. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 1978.
5.
6. GUEDENEY, Antoine. Petit enfance et psychopathologie. Paris: Elsevier Masson, 2014.
7. GUÉDENEY, N.; GUÉDENEY, A. L’attachement: approche clinique. Paris:
Masson, 2010.
8. GUÉDENEY, N. L’attachement: approche théorique: Du bébé à la personne âgée. Paris: Elsevier, 2016.
9. COLLINS, Nancy L.; READ, Stephen J. Adult attachment, working models, and relationship quality in dating couples. Journal of Personality and Social Psychology, v. 58, n. 4, p. 644–663, 1990.
10. HAZAN, C.; SHAVER, P. Romantic love conceptualized as an attachment process. Journal of Personality and Social Psychology, v. 52, n. 3, p. 511–524, 1987.
11. CASTRO, Lidia Rosalina Folgueira. Disputa de guarda e visita: no interesse dos pais ou dos filhos? Porto Alegre: Artmed, 2013
12. MILJKOVITCH, Raphaële; DEBORDE, Anne-Sophie; BERNIER, Annie; CORCOS, Maurice; SPERANZA, Mario; PHAM-SCOTTEZ, Alexandra. Borderline personality disorder in adolescence as a generalization of disorganized attachment. Frontiers in Psychology, v. 9, p. 1962, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.01962. Acesso em: 14 jan.2025.
13. SIEGEL, Daniel; HARTZELL, Mary. Parentalidade Consciente: como o autoconhecimento nos ajuda a criar nossos filhos. São Paulo: Editora N Versus, 2020.
14. JOHNSON, Susan et al. Teoria do apego na prática: terapia focada nas emoções com indivíduos, casais e famílias. Porto Alegre: Artmed, 2024.
15. SMOLARSKI, Aurisha. Cooperative Co-Parenting for Secure Kids. [Local não informado]: Editora Tanto, 2024.