FERENCZI

Descrito como um homem criativo, vivaz, intuitivo e curioso, denominado por Freud o Paladino e Grão-vizir, mas também o Enfant terrible da psicanálise, Ferenczi é considerado um psicanalista brilhante e talentoso, e seus trabalhos continuam despertando a atenção dos estudiosos.

SÁNDOR FERENCZI nasceu em 07 de julho de 1873 em Miskolc , na Hungria. Filho de imigrantes poloneses, era o oitavo de uma família de onze filhos.
Seu pai foi condecorado por conduta heróica em guerra local e conseguiu permissão para instalar-se como livreiro em Miskolc. Trabalhando como livreiro e editor; editou os trabalhos de Michael Tompa, pastor protestante e um dos principais poetas da resistência húngara. A livraria era frequentada por outros editores, poetas, escritores e grandes autores franceses que influenciaram a formação de Ferenczi. Sua casa era um lugar de encontro de artistas húngaros e estrangeiros; onde se discutia filosofia, política, literatura e escutava-se música de câmara em família; um ambiente propício aos estudiosos e pensadores.
Rósa, mãe de Sándor Ferenczi, é descrita como uma mulher valente que, depois de viúva, soube se ocupar dos onze filhos e administrar muito bem a livraria; Ferenczi queixava-se da severidade de sua mãe.
Ferenczi estudou, e foi aluno brilhante, no colégio protestante de sua cidade. Cursou MEDICINA em Viena, formou-se em 1894 e prestou serviço militar no exército. Posteriormente instalou-se em Budapeste em 1897, trabalhando inicialmente no Hospital St. Roch como clínico geral. Em 1900 foi trabalhar no serviço de neuropsiquiatria do Hospital Elizabeth e se instalou na clínica privada atuando como neurologista. Em 1907 estabeleceu contato com C.G. Jung em Zurick e a partir desse contato lançou-se na técnica de associação de ideias. Conheceu a obra freudiana “A interpretação dos sonhos” e ficou maravilhado.
Seu primeiro contato com Freud se deu em 1908, o ano de ingresso de Ferenczi na Psicanálise, e a partir desse momento seguiu estudando, trabalhando e produzindo com curiosidade, criatividade e dedicação, tornando-se um psicanalista e teórico muito produtivo, discípulo de Freud e devoto da psicanálise.
Ferenczi casou-se com Gizella Pálos, conhecida de sua família desde muito jovem, que já tinha sido casada e era oito anos mais velha que ele. Gizella foi uma companheira e grande admiradora de Ferenczi, que havia sido seu analista no inicio de sua carreira. Foi uma grande colaboradora da psicanálise, apoiava a ideia e era muito conhecida de Freud.
Devido a algumas questões relacionadas ao casamento, Ferenczi pede a Freud que seja seu analista e essa análise ocorre em três ocasiões entre os anos de 1914 e 1916.
Ferenczi participou das atividades do movimento psicanalítico desde o início, fez parte do primeiro circulo de jovens analistas orientados por Freud. Muito criativo e produtivo foi nomeado para a cátedra de ensino da psicanálise na universidade, que foi criada pela primeira vez no mundo em Budapeste, vigorando até o momento em que a Hungria caiu em mãos ditatoriais. Nesse momento os representantes da escola húngara de psicanálise começaram a emigrar. Berlin torna-se, então, o centro do movimento freudiano.
Por volta de 1919, Ferenczi empenhou-se em estudar uma reforma da técnica psicanalítica, desenvolvendo primeiro a técnica ativa e depois a análise mútua. Após, entre outros trabalhos importantes, dirigiu sua atenção para a “teoria do trauma”, denunciando a hipocrisia da corporação analítica em seu texto famoso de 1932, intitulado “confusão de línguas entre adultos e crianças”.
Sándor Ferenczi morre perto de completar 60 anos, em 22 de maio de 1933 sofrendo de Anemia perniciosa. Acreditava-se, na época, que essa doença causava demência; hoje conhecida como uma doença autoimune, causada pela deficiência de vitaminas B12., com sintomas neurológicos dela decorrentes, tais como formigamento, diminuição de sensibilidade, alterações cognitivas e de força. Aproveitou-se dessa doença para desacreditar Ferenczi.
Freud escreve seu necrológio de Ferenczi em 1933. Foram 25 anos de uma relação de amizade e trabalho, comprovadas pela intensidade nas 2.500 cartas escritas pelos dois, onde trocavam e discutiam invenções teóricas e clínicas, com algumas confidencias pessoais, cartas que foram publicadas em três volumes em edição francesa.
Michael Balint (1991) constatou: “…. Foi o primeiro a quem Freud chamou, em suas cartas, de “caro amigo”. Freud, no obtuário de Ferenczi, faz uma menção à sua esposa Gizella, por ter tolerado a intensidade de sentimentos entre ele e Ferenczi.

Além de muito artigos que foram publicados em uma coleção de quatro livros denominado “Obras Completas”, Ferenczi escreveu Thalassa, a teoria da genitalidade e o Diário Clínico, que foi escrito até 1932 e publicado em somente em 1969, 37 anos depois de sua morte.
Os discípulos de Ferenczi: Alice Balint, Michael Balint e Vilma Kovács leram todos os trabalhos e os entregaram à Sra. Ferenczi. O desacordo de idéias entre Freud e Ferenczi criou uma atmosfera com repercussões negativas. Esses discípulos de Ferenczi recolheram o material, organizaram e publicaram o volume III e IV das Obras completas. Michael Balint, na Introdução ao Diário de Sándor Ferenczi conta:
“ Freud, naturalmente, não só foi informado da nossa intenção como recebeu todo o material até então não publicado. Podemos afirmar que ele acompanhou o nosso trabalho com interesse e não impôs objeções a qualquer parte do texto que propunhamos, pelo contrário, expressou sua admiração pelas idéias de Ferenczi, que até então não conhecia”.
A impressão foi concluída poucos dias antes da “Anschluss” (reintegração) adotada pelos nazistas para designar a anexação da Àustria pela Alemanha após o golpe nazista de 1938. Balint saiu de Budapeste para a Inglaterra em 1939 levando o Diário e as cartas, a pedido da Sra. Ferenczi, que pediu a ele que guardasse tudo para quando fosse possível publicar. As “Final Contributions” foram publicadas em 1955, mas a acolhida não foi boa e Balint decidiu aguardar mais um pouco.
Em 1957 saiu o terceiro volume da biografia de Freud, escrita por E. Jones, contendo um ataque violento contra Ferenczi, o que corroborou para o não lançamento de publicações ferencziana, pelo clima desfavorável que foi criado.
Em 1969 Balint explica que a razão do diário ser lançado nessa data era que seria lançado, mais ou menos no mesmo momento que a correspondência entre Freud e Ferenczi, selecionada e editada conjuntamente entre Ernest Freud e ele. E completa:
“ Este fato pode ser considerado o símbolo de que as ondas do doloroso desacordo que toldou os dois ou três últimos anos da amizade entre esses dois grandes homens se acalmaram o suficiente para permitir ao mundo psicanalítico julgar as diferenças reais de um modo imparcial, mas benevolente.”
Judith Dupont escreve no prefácio do Diário Clínico, que o próprio “Diário de Ferenczi fornece a prova evidente, se é que esta é necessária, da integridade de sua saúde mental”; inclusive, como Ferenczi escreve no final do Diário, “não consegui recorrer ao refúgio da loucura e sofre com isso”.
A obra ferencziana é muito estudada em nosso dias, e nas leituras observamos o quanto de atual tem alí guardado. Teresa Pinheiro nos mostra dos pensamentos feministas ele trazia, uma preocupação com a mulher, com sua situação cultural na época, seu sofrimento por causa do modelo que a sociedade impunha às mulheres. Ele preocupou-se em ajudar os oprimidos; além de escutar os problemas das mulheres preocupou-se com uma medicina social, em socorrer os excluídos e marginais, saiu em defesa dos homossexuais num texto corajoso à Associação Médica de Budapeste. Ferenczi procurava na psicanálise os meios de aliviar o sofrimento dos pacientes, dos casos mais difíceis, que ainda não eram pensados como possíveis pela teoria psicanalítica.

Franca Benedetti

Franca Benedetti

Psicóloga

Franca Benedetti
Psicóloga
francambga@uol.com.br

Ferenczi, Sándor   Diário Clínico.  São Paulo, Martins Fontes,1990.

Pinheiro, Teresa   Ferenczi   São Paulo: Casa do Psicólogo, 2016. (Coleção clínica psicanalítica)

Roudinesco, Elizabeth   Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro, Zahar, 1998.