O GENOGRAMA PROFISSIONAL: AS EMOÇÕES DO TERAPEUTA NO TRABALHO DE DIFERENCIAÇÃO DO SELF

INTRODUÇÃO

Como veterana e pioneira de 2ª geração no campo da terapia familiar, apresento o Self do terapeuta, tema de meu interesse desde os anos da formação junto aos pioneiros de 1ª geração.
Os pioneiros dos anos 50-60 contribuíram para a passagem da 1ª cibernética, quando o observador observa o campo, para a 2ª cibernética com a inclusão do observador no campo observado. E poderíamos acrescentar uma 3ª cibernética, a auto-observação e estudo sobre o terapeuta familiar como observador de sua história como recurso para o desenvolvimento de sua competência.

Alguns pioneiros iniciaram seus estudos sobre a pessoa do terapeuta nos anos 60-70. Bowen (1979) ilustra seu método de estudo da dinâmica familiar a partir do seu próprio Genograma, ressaltando o processo de autonomia individual. E parte da hipótese de que a indiferenciação transgeracional é relativa aos modelos da família de origem. Para que um indivíduo possa se conhecer ou resolver um problema ele deve antes se conectar com sua história. Para Bowen os membros não precisam se separar da família para se diferenciar, mas sim elaborar os processos triangulares.

Elkaim (1988) enfoca o uso da pessoa do terapeuta como precioso instrumento para sua eficiência. Demanda a análise das ressonâncias sobre o material apresentado para estudo ou atendimento, salientando que a intervenção técnica pode ser identificada a partir da intercessão entre o seu mapa familiar e o mapa da família.

Ackerman (Loriedo, 2003) destaca as emoções do paciente e do terapeuta, que deve ser espontâneo e empático, utilizando-se das próprias projeções para clarificar os conflitos. O terapeuta deve estabelecer um novo equilíbrio, onde semelhanças, diferenças e a tendência a diferenciação possam ser toleradas.

Ausloos (2011) chama a atenção para o conforto do terapeuta, que deve estar ciente sobre o que o coloca em desconforto, pois somente se estiver confortável poderá identificar a competência das famílias. A subjetividade é o único elemento confiável no qual pode se apoiar para estabelecer estratégias terapêuticas.

Andolfi (1999) favorece o amadurecimento do terapeuta que tem íntima relação com a sua visão de mundo sobre os fenômenos humanos. Desenvolve o trabalho do Self na busca de uma capacidade fundamentada em seus próprios recursos emocionais. Se o terapeuta se sentir incapaz, não conseguirá auxiliar o paciente a descobrir suas capacidades. Portanto é necessário que ele exercite todos os seus sentidos que colocam sua pessoa em risco e que estão relacionados aos eventos vividos ou fantasiados em sua vida.

A FORMAÇÃO EM TERAPIA FAMILIAR

Importante a aquisição não somente do estudo teórico na graduação, mas também da análise pessoal, pois o conhecimento sobre si próprio, das motivações pessoais e sobre o funcionamento emotivo e relacional são fatores fundamentais para o exercício e prática clínica. De acordo com a Associação Brasileira de Terapia Familiar (ABRATEF), os Institutos Formadores oferecem formação em terapia familiar com a carga horária mínima de 360 horas. Segundo o Documento Mínimo Norteador de Formação, o conteúdo programático inclui o mínimo de 100 horas de exercícios e vivências sobre a pessoa do terapeuta, que tem como objetivo identificar os padrões familiares da sua família de origem.

O terapeuta familiar sofre o impacto de crenças, mitos e projeções sobre sua pessoa. A intercessão e o cruzamento dos mapas devem ser identificados e analisados. Os fatores como o Self do terapeuta, autorreferência, visão de mundo, ressonância são fatores que devem ser entendidos e integrados para que não sejam obstáculos e sim recursos terapêuticos. A prática do terapeuta ressalta o processo investigativo sobre a pessoa do terapeuta durante a formação e em workshops vivenciais. Importante considerar o efeito circular no grupo, como cada um reage ao trabalho do Self pelo seu aspecto autoreferencial. Um mesmo caso produz reações diferentes, pois os sentimentos do terapeuta estão conectados à sua história pessoal. Os membros do grupo são coparticipantes e ouvintes das histórias sobre as respectivas famílias de origem. O grupo atua como ego auxiliar e se emociona nesse contexto de intimidade com histórias as quais se cruzam com as suas próprias histórias, trazendo à tona lembranças passadas. Podem surgir algumas dificuldades tais como estranheza, incômodo, dúvidas sobre a técnica e até inseguranças sobre o atendimento de alguns casos com determinada problemática. O terapeuta percebe que os recursos não são externos, e sim desenvolvidos em sua própria pessoa como novas ferramentas terapêuticas.

OBJETIVO DO TRABALHO DE DIFERENCIAÇÃO DO SELF

O objetivo do estudo sobre sua família de origem do terapeuta é a diferenciação do seu Self. A variedade do manejo técnico na condução do processo se justifica pela criatividade de quem a aplica e adapta em função da demanda da formação. Os recursos utilizados dependem muito das situações que se apresentam decorrentes do vasto mundo interno e relacional de cada indivíduo, nas suas ressonâncias e emoções autorreferenciais.

O supervisor, o terapeuta no trabalho sobre seu Self e a equipe colaboram para novas hipóteses. A história pessoal do terapeuta é de uma riqueza extraordinária e traz angústias, traumas, alegrias e realizações, sentimentos que devem ser elaborados para que não interfiram sobre a prática do terapeuta. O importante é encontrar um caminho no sentido de diferenciar o que faz parte da história de vida do terapeuta e o que faz parte da história do caso clínico real ou dramatizado.

A experiência da autora desde o ano 1996 resulta em um intenso material impossível de ser transcrito nem sob anonimato, pela confidencialidade de depoimentos de colegas. Os relatos versam sobre as emoções frente aos novos significados dados aos eventos passados, agora conectados e redefinidos a situação pessoal ou profissional. Por isso a pesquisa e trabalhos científicos do trabalho do Self são mais teóricos e não contém a riqueza de exemplos clínicos.

O GENOGRAMA COMO RECURSO PARA O TRABALHO DO SELF DO TERAPEUTA

O Genograma familiar (McGoldrick, 2012) ou multigeracional é um recurso já bem conhecido pelos terapeutas familiares e hoje amplamente utilizado para o estudo da história familiar do terapeuta. Contribui para a avaliação dos dados objetivos, biográficos, históricos, pontos encobertos, conscientes ou inconscientes, segredos e fantasias das relações de parentesco. O Genograma faz uma nova leitura dos padrões relacionais sobre sua família de origem, e aumenta a autoconsciência sobre as forças transgeracionais, para poder escutar seu supervisor interno e ouvir a si próprio, assim como ouve os pacientes. É um recurso como exercício fundamental para todo terapeuta de família sobre sua história familiar.

O Genograma vincular ou Duograma (Arcelloni & Ferrero, 2008) é um recurso criativo para o estudo dos vínculos amorosos. Aborda biograficamente todos os relacionamentos, amplia as características, as similaridades e diferenças de cada parceiro, identifica os primeiros amores platônicos da infância, as paixões na adolescência, os namoros na juventude e as relações e casamentos na maturidade até os dias atuais. É um recurso importante para o terapeuta no seu trabalho de Self sobre o padrão relacional das suas escolhas sobre a temática do amor.

O Genograma ecológico ou ecomapa visa ampliar a rede, os relacionamentos de interdependência entre o terapeuta, sua família e o ambiente. A qualidade da interação é indicada a partir das linhas, fronteiras e qualidades de cada subsistema. É um recurso excelente para a autopercepção do lugar desse terapeuta nos seus vários contextos de pertinência.

O Genograma simbólico ou do desenho (Puviani, 2014) visa a apresentação de cada membro da família através dos símbolos escolhidos para tornar visível as relações familiares. As histórias dramáticas desenhadas redefinem a narrativa e a transforma em uma imagem. O desenho leva ao reconhecimento dos símbolos que representam afetos inconscientes para além das palavras. É um recurso interessante e criativo para o terapeuta representar sua família.

O Genograma profissional ou do Self utiliza o genograma nos seus variados formatos na identificação das ressonâncias do terapeuta para o desenvolvimento da sua competência, através de exercícios vivenciais sobre o papel do terapeuta. O Self do terapeuta trabalha com as ressonâncias que indicam um caminho para a elaboração dos impasses e sentimentos da sua própria história, visando o aperfeiçoamento das potencialidades transformadoras. O Self do terapeuta sofre as influências de uma tríade (Haber, 1996), que inclui o Genograma dos sistemas do supervisor, do terapeuta e do grupo. Portanto, a tríade profissional explora as interações desses três sistemas. A inclusão das ressonâncias do supervisor estimula o supervisionando a cultivar a habilidade de relatar sua experiência clínica, seus postulados teóricos e a usar seu Self para acessar ideias criativas. A interpretação do material depende da eficiência técnica e teórica do supervisor, da cooperação da equipe e da sensibilidade do terapeuta. O recurso do Genograma profissional, ou seja, o trabalho do Self, beneficia o terapeuta como uma autoanálise sobre sua própria história familiar, se ele deve obediência a família de origem ou a si mesmo, no seu processo de diferenciação.

CONCLUSÃO

O trabalho sobre o Self do terapeuta pode ser iniciado pelo Genograma familiar, pelo Genograma vincular, pelo Genograma ecológico ou pelo Genograma simbólico. Todos os formatos contribuem para o Genograma profissional (Ladvocat, 2023), o qual complementa o trabalho do Self do terapeuta.

O terapeuta deve estar atento as histórias oficiais, mas buscando um novo entendimento sobre histórias antigas, atualizadas no presente e projetadas no futuro. Ao identificar as suas ressonâncias, o terapeuta pode reanalisar sua biografia e história familiar. E utilizar seus próprios recursos intelectuais e emocionais com competência junto aos seus pares, sua equipe, seu supervisor real ou interno e principalmente no atendimento de indivíduos, casais e famílias.

Os temas tratados no trabalho de diferenciação do Self demandam um manejo cuidadoso e é fundamental tanto na formação como ao longo dos anos da prática clínica. Pode ser oferecido por institutos formadores ou organizados por pequenos grupos através de demanda privada.

CYNTHIA LADVOCAT

CYNTHIA LADVOCAT

Psicóloga Clinica.

Mestrado em Psicologia: Família e Casal – PUC-Rio
Membro Docente e Didata da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro
Practicum na Accademia di Psicoterapia della Famiglia – Itália
Membro da European Family Therapy Association – EFTA
Associado Titular da ABRATEF, ATFRJ, ATFMINAS e ATEFES
Contato: (21) 99911-6935
#cynthialadvocat

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
. Andolfi, M – La Family system theory di Murray Bowen, IN: I Pionieri della terapia familiare, Fanco Angeli, Milano, 2003.
. _________- A terapia familiar multigeracional, instrumentos e recursos do terapeuta, Artesã Editora, Belo Horizonte, 2018.
. Arcelloni, T & Ferrero, G – Il duogramma nella formazione sistêmica, i terapeuti e le loro relazioni di coppia, Terapia Familiare, n. 87, 2008.
. Ausloos, G – A competência da família, Terra dos Homens, Rio de Janeiro, 2011.
. Bowen, M – Dalla famiglia all´individuo, La differeziazione del sé nel sistema familiare, Andolfi, M & Nichilo, M (org), Casa Editrice Astrolabio, Roma, 1979.
. Elkaim, M – Dall`autoreferenzialità alle aggregazioni, IN: Sentimenti e sistemi – Andolfi, M & Angelo, C & Nichilo, M &, Raffaello Cortina Editore, Milano,1996.
. Goldrick, M & Gerson, R & Petry, S – Genogramas, Avaliação e Intervenção Familiar, Porto Alegre, Artmed, 2012.
. Haber, R – Dimensions of psychotherapy supervision, maps and means, Norton&Company, London&New York, 1996.
. Ladvocat, C – A formação do terapeuta de família – IN: Manual de Terapia Familiar – Osório, L. C & Valle, M (Org), Artmed, Porto Alegre, 2009.
. __________ – Ecomapa – IN: Trabalho Social com Família, Terra dos Homens, Ed Booklink, 2002.
. ________ – Ressonâncias e vivências na construção de um Self profissional, IN: Construção Pela Vivência em Terapia Familiar – Pontes, M, Ed. Roca, São Paulo, 2011.
. ________ – O mapa do terapeuta e a diferenciação do self como recursos para a formação em terapia familiar, Revista Abratef, vol 5, n.1, 2014.
. _________ – O Self do terapeuta e o genograma na formação e em terapia de casal. IN: Damo & Vinagre – O Self do Terapeuta: A Cartografia dos tesouros escondidos no terapeuta. Ed Artesã, BH, 2023.
. Puviani, V – O casal em todas as cores, desenhando o amor que nasce, cresce e cura, Artesã Editora, Belo Horizonte, 2014.