A Violência Silenciosa nas Organizações

1 – A Violência Silenciosa nas Organizações.

O silêncio pode ser interpretado de diferentes formas, considerando o contexto em que ele se apresenta e a abordagem pelo qual ele é interpretado. Neste artigo, convido o leitor a analisar os dados sobre os impactos, os desafios e as possíveis intervenções sob o prisma da psicologia organizacional.

Os impactos no indivíduo
“A experiência psicológica de ter algo para dizer ainda que se sinta literalmente incapaz de fazê-lo é extrema e dolorosamente real para muitos funcionários e muito comum em hierarquias organizacionais, como a da NASA em 2003” (EDMONDSON, 2020, p. 84).
Além do sofrimento daquele que tem o que dizer e não o faz, por não se sentir capaz de falar, os riscos são ainda maiores em determinadas profissões, como em 2003, no trágico acidente com o ônibus espacial Columbia da NASA, onde sete astronautas morreram, assim como no conhecido desastre Tenerife, em que dois Boeings 747 colidiram em uma pista de decolagem nas Ilhas Canárias, em março de 1977, causando a morte de 583 pessoas (EDMONDSON, 2020, p. 85). Ambos os casos retratam uma violência silenciosa, onde os profissionais se sentem incapazes de falar, ainda que isto possa colocar em risco a sua própria vida, como é o caso do desastre Tenerife.

Este momento de decisão, entre falar ou calar, é um processo interno intenso, em que consiste em pensamentos que pesam os benefícios e os custos da fala. A questão é que “os benefícios são frequentemente incertos e adiados enquanto os custos são tangíveis e imediatos” (EDMONDSON, 2020, p. 86). Desta forma, frequentemente avaliamos mais os custos do que os benefícios.
De acordo com a Dra. Amy Edmondson, os riscos que são calculados nestes momentos de decisão são os chamados riscos interpessoais. Os riscos interpessoais mais comuns são o medo de sofrer represálias, de ser exposto de maneira negativa perante os colegas de trabalho com frases depreciativas, ter a sua reputação ferida ou ainda o medo de perder o emprego.

O silêncio nas organizações
O medo de correr riscos interpessoais impulsiona e reforça a cultura do silêncio, e esta prática devasta a saúde mental dos colaboradores e os resultados das organizações. Segundo Edmondson, a cultura do silêncio não se refere apenas a inibir a fala, mas também ao cuidado na escuta: “para a voz ser eficaz, é necessária uma cultura do ouvir.” EDMONDSON, 2020, p. 91)
Um ambiente em que a cultura do silêncio é praticada se torna um ambiente fértil para violências como o assédio. “Segundo uma pesquisa da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a violência e assédio no trabalho afetam uma em cada cinco pessoas. O assédio não conhece fronteiras de idade, gênero, raça, posição social, nível hierárquico. Dessa forma, ele pode ocorrer em todos os ambientes que vivemos e nas relações que estabelecemos” (PEREIRA, 2024).

O assédio nas organizações
O assédio é um crime subnotificado e ganha espaço em ambientes organizacionais tóxicos, nos quais a cultura do silêncio é praticada. Correr riscos interpessoais para denunciar, em primeira análise, representa mais custos do que benefícios, custos estes emocionais, físicos e financeiros. Quando se trata do assédio sexual, 33% das mulheres assediadas não fazem nada e 14,7% optam pela demissão, de acordo com a Think Eva (NEDER, 2024).
Segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST), configura-se assédio moral “toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam trazer danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física e psíquica de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho.”
A prática do assédio no ambiente de trabalho não causa danos apenas ao colaborador assediado, causa danos a sociedade e aos negócios.

Os impactos nas organizações
“Uma cultura de trabalho tóxica tem um preço enorme: a rotatividade relacionada a locais de trabalho tóxicos custava aos empregadores americanos quase US$ 50 bilhões (R$ 243 bilhões) por ano – mesmo antes do movimento de Grande Demissão nos EUA. Se você se preocupa com a retenção, o primeiro ponto a ser examinado é a cultura corporativa. Um local de trabalho positivo é um fator importante para uma forte retenção, e os líderes desempenham um papel fundamental para garantir que o ambiente permaneça saudável.” (Forbes, 2022).
“De acordo com a revista MIT Sloan, a cultura da empresa é 10,4 vezes mais importante do que a remuneração que ela oferece, o fator mais forte para prever a rotatividade. De 1,4 milhão de avaliações de funcionários, os analistas determinaram que os locais de trabalho tóxicos são caracterizados como antiéticos, não inclusivos, desrespeitosos, cruéis e abusivos.” (Forbes, 2022).

Uma pesquisa divulgada pela Harvard Business Review, em que mais 14.000 pessoas foram entrevistadas nos Estados Unidos e Canadá revelou que a incivilidade nas organizações tem um custo muito elevado para os negócios, e estes são tangíveis conforme dados a seguir, retirados de uma pesquisa realizada com 800 gerentes e funcionários em 17 setores (PORATH, 2013).

Os impactos de um ambiente de incivilidade afetam diretamente a saúde mental do colaborador, a capacidade criativa é significativamente reduzida, o desempenho e o espírito de equipe se deterioram, os clientes se afastam e as margens de lucros das empresas caem progressivamente. A incivilidade, mantida pelo pacto velado do silêncio, impacta diretamente o bem-estar físico, mental e social do indivíduo, além de comprometer os resultados das organizações.

Os desafios
Combater uma cultura organizacional que reforça a incivilidade é fundamental para a saúde dos colaboradores bem como para a saúde da própria organização.

É necessário analisar a cultura organizacional, ou seja, analisar as diversas camadas sobre este ambiente, desde as condições físicas da empresa, como suas instalações, localização, códigos de vestimenta, ainda que velados, história dos fundadores, comportamentos aceitos e como lidam com as manifestações dos comportamentos não aceitos, além de ser necessário observar os valores que regem os comportamentos adotados para compreender o “porquê” de um grupo se comportar de determinada maneira. (SCHEIN, 2009).

“A Cultura de uma organização é um reflexo dos valores e crenças dos líderes atuais e do legado institucionalizado dos valores e crenças dos líderes do passado refletidos nas estruturas, procedimentos e incentivos da organização” – Richard Barret.

Atuar na mudança de cultura organizacional pode ser um desafio e, sem dúvidas, gerará desconforto e resistência, mas este processo pode ser realizado a partir de um estudo criterioso por profissionais especialistas nesta área que, a partir de um diagnóstico bem desenvolvido e analisado, poderão, juntos, consultores e líderes da organização, construir a forma mais adequada para a execução da mudança, quando necessário.

Afinal, “os membros da equipe imitam o comportamento, as pequenas características e dinâmicas, que um líder estabelece dentro de sua equipe.” (ROZOVSKY, 2023). Sendo assim, atuar na mudança de cultura e dos comportamentos da liderança é fundamental para o cultivo de um ambiente organizacional civilizado.

Segundo um estudo global conduzido pelo professor Rolf van Dick da Goethe University, na Alemanha, que começou em 2016, “líderes podem ser responsáveis por evitar a Síndrome de Burnout em seus colaboradores por meio de um estilo de liderança menos abusivo”.

Intervenções
Para que as intervenções sejam eficazes, é preciso que estas sejam propostas de acordo com os resultados de um diagnóstico criterioso em relação àquela determinada organização. Portanto, as ações devem ser personalizadas, não havendo uma única forma a ser implementada senão aquela que melhor atender às necessidades da organizações em questão.

Então por onde começar?
A Dra. Amy Edmondson sugere começar por três passos simples:
• Enquadre o trabalho como um problema de aprendizado e não um problema de execução.
• Reconheça sua própria possibilidade de falhar.
• Modele a curiosidade. Faça muitas perguntas.
E para organizações mais maduras, sugiro:
• Utilize a humildade situacional para estimular a curiosidade e o aprendizado do time.
• Promova a igualdade na distribuição de fala.
• Cultive a sensibilidade social: habilidade de intuir como os outros se sentem.
• Compartilhe as atividades e metas de forma clara e objetiva.
• Envolva a equipe na discussão de problemas com base nos fatos.
• Fortaleça o time para correr riscos e aprender com os erros.
• Incentive a equipe a se ajudarem mutuamente.
• Reconheça e valorize ideias, comportamentos e ações adequadas.

Conclusão
A violência silenciosa nas organizações é alimentada por culturas de medo e omissão. É uma ameaça invisível, mas devastadora para a saúde mental dos colaboradores e a sustentabilidade das empresas. Romper com essa dinâmica requer uma transformação consciente e estratégica, começando por líderes que acolham o diálogo aberto e o aprendizado contínuo. Só assim será possível construir ambientes mais seguros e inclusivos, onde o respeito, a inovação e o bem-estar prevaleçam. Como vimos, essa mudança não é apenas uma questão de ética, mas uma necessidade para o sucesso a longo prazo das organizações.

Tathy Neder

Tathy Neder

Psicóloga, Especialista em Psicoterapia de Casais e Famílias pela PUC/SP. Psicoterapeuta Certificada EMDR.


Psicóloga | Especialista em consultoria interna e DHO | Coach Executivo | Coach de Carreira | Coach de Equipes e Grupos | Consultora | Facilitadora e Mentora de DHO | Facilitadora de Segurança Psicológica | Chief Happiness Officer

tathyneder@coaching4action.com

Referência bibliográfica

  • Como líderes podem transformar ambientes tóxicos e criar equipes produtivas. Forbes, 2022. Disponível em: https://forbes.com.br/carreira/2022/05/como-lideres-podem-transformar-ambientes-toxicos-e-criar-equipes-produtivas/. Acesso em 13 de novembro de 2023.
  • EDMONDSON, A.; LEI. “Psychological Safety: The History, Renaissance, and Future of an Interpersonal Construct,” Annual Review Organizational Psychology and Organizational Behavior. 2014.
  • EDMONDSON, A. Psychological safety and learning behavior in work teams. Administrative Science Quarterly June 1999.
  • EDMONDSON, A.C. A organização sem medo: criando segurança psicológica no local de trabalho para aprendizado, inovação e crescimento. Edição 1. Rio de Janeiro: Alta Books, 2020.
  • Hirigoyen, Marie-France Assédio Moral: A violência perversa no cotidiano -12 edição- Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
  • NEDER, T. O papel do líder na redução do estigma da saúde mental. 14 de Agosto de 2024. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/o-papel-do-l%C3%ADder-na-redu%C3%A7%C3%A3o-estigma-da-sa%C3%BAde-mental-tathy-neder-pqpkf/?trackingId=PnvMN0SJcxlrWBi6chcGOg%3D%3D
  • NEDER, T. Eles não veem? – Dossiê Assédio in: Revista Coaching Brasil. Edição 131, Abril 2024. Disponível em: https://revistacoachingbrasil.com.br/edicao/131/1867_editorial-ed.-131-assedio
  • Neder, T. Live 1 e 2: Desvendando a Nova Classificação de Doenças do Trabalho – Impactos e Estratégias para um Ambiente organizacional mais saudável com o advogado trabalhista Dr. Cleiton Silveira. Disponível em: https://youtu.be/rG-DBIVaplw?si=fjyKrCee_5gSkh8B
  • NEDER, T. Dossiê Assédio in: Revista Coaching Brasil. Edição 131, Abril 2023. Disponível em: https://revistacoachingbrasil.com.br/edicao/131/1867_editorial-ed.-131-assedio
  • PEREIRA, J. O assediador é o outro in: Dossiê Assédio. Revista Coaching Brasil, Ano X, ed. 131, abril 2024. Disponível em: https://revistacoachingbrasil.com.br/edicao/131/1867_editorial-ed.-131-assedio
  • PORATH, C. e PEARSON, C. The price od incivility. Harvard Business Review. Janeiro/Fevereiro 2013. Disponível em: https://hbr.org/2013/01/the-price-of-incivility. Acesso em: 25 de novembro de 2023.
  • ROBERTO, M.A, EDMONDSON, A.C, & BOHMER, R.J. Columbia’s Final Missiona. Case Study. HBA No. 304-090. Boston, MA: Harvard Business School Publishing, 2004.
  • ROZOVSKY, J. Head de Operações de Pessoas • Verily Life Sciences – Innovation in teamwork for Health care program HBS, 2023
  • SCHEIN, Edgar H.  Cultura Organizacional e Liderança; tradução Ailton Bomfim Brandão, revisão técnica Humberto Mariotti. São Paulo: Atlas, 2009.