Mecanismos de Mudança em Processos em Psicoterapia
Introdução
A psicoterapia tem sido definida como o método de tratamento para problemas emocionais, envolvendo uma relação profissional entre psicoterapeutas, psicólogos e médicos com seus clientes (ABRAP, 2022; CFP, 2022). Em geral, os processos de psicoterapia são dinâmicos e contínuos (Kazdin, 2009). Por isso, presume-se que existem mecanismos que norteiam, favorecem e validam a transformação terapêutica durante o processo psicoterapêutico (Norcross e Wampold, 2011; Wampold e Imel, 2015). Esses mecanismos, normalmente denominados “mecanismos de mudança” (Castonguay e Beutler, 2006), referem-se a processos internos e externos que, quando ativados, tendem a produzir mudanças nas crenças e comportamentos dos pacientes.
Alinhados à teoria subjacente de cada metodologia, esses mecanismos têm o objetivo de facilitar mudanças profundas e duradouras na vida do paciente. São amplamente consagrados na literatura sobre psicoterapia (Laska, Gurman e Wampold, 2014). Dado isso, fica claro que todo psicoterapeuta necessita conhecer, com profundidade, os “mecanismos de mudança” em sua abordagem teórica (Greenberg, 2007).
Mecanismos de mudança
Na psicanálise, por exemplo, encontram-se o “insight” e a “interpretação do inconsciente”. O insight ajuda o paciente a romper padrões repetitivos. A mudança ocorre quando o paciente tem acesso a conteúdo inconscientes reprimidos, por meio da interpretação de sonhos, lapsos de linguagem e associações livres. Para a Análise Junguiana, os mecanismos de mudança poderiam ser a “individuação” e a “integração dos arquétipos”. Nessa abordagem, a mudança é prevista quando a pessoa integra aspectos conscientes e inconscientes de sua psique, alcançando maior completude e autenticidade.
Na Gestalt-Terapia, destacam-se a “experiência no aqui e agora” e o “fechamento da gestalt”. A mudança ocorre quando os pacientes se tornam conscientes de suas emoções, necessidades e experiências inacabadas no momento presente, permitindo a conclusão de ciclos emocionais interrompidos. Já na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), um mecanismo de mudança amplamente reconhecido é a “reestruturação cognitiva”. A mudança acontece quando crenças disfuncionais são identificadas, desafiadas e substituídas por pensamentos mais congruentes e adaptados, promovendo mudanças nos comportamentos e nas emoções.
Enquanto as abordagens psicodinâmicas podem ser mais adequadas para aqueles com predisposição à introspecção e análise profunda, as psicoterapias baseadas em TCCs, como a PAR, podem ser particularmente eficazes para indivíduos com altos níveis de autoconsciência.
Como uma abordagem de terceira geração das TCCs, a Psicoterapia com Abordagem em Resiliência (PAR) recorre a mecanismos de mudança como a “aliança terapêutica”, as “ressignificações” e a “expressão de novos comportamentos” (Crits-Christoph, Gibbons e Mukherjee, 2013).
Além do contexto histórico em que a pessoa está situada, as características de personalidade desempenham um papel central na resposta ao tratamento psicoterapêutico, influenciando tanto o processo quanto os resultados. Traços como abertura à experiência, desajustamentos, extroversão e conscienciosidade podem facilitar ou dificultar o progresso terapêutico. Essas características afetam como os pacientes se engajam na psicoterapia, processam informações e implementam as mudanças objetivadas. Além disso, aspectos como regulação emocional e habilidades interpessoais influenciam como as ressignificações viabilizam mudanças estruturadas.
Por exemplo, indivíduos com alta flexibilidade cognitiva tendem a ser mais receptivos a intervenções exploratórias em seus modelos de crenças determinantes do comportamento resiliente. Por outro lado, altos níveis de rigidez cognitiva estão frequentemente associados a desafios como maior sensibilidade emocional e resistência às mudanças durante o tratamento. A aliança terapêutica, como mecanismo de mudança, também é mediada por traços de personalidade (Muran e Barber, 2010). Pacientes cooperativos e abertos têm maior facilidade em estabelecer uma relação de confiança e interação com seus psicoterapeutas.
Reconhecer e integrar essas características na prática clínica pode otimizar as intervenções, personalizando estratégias e aumentando as chances de sucesso terapêutico. A compreensão desses mecanismos é essencial para aprimorar a eficácia das intervenções terapêuticas e aguçar as habilidades dos psicoterapeutas (Goldfried, 2019). Na PAR, uma metodologia que identifica estilos de comportamento resilientes e trabalha como as pessoas estruturam sistemas de crenças associados à resiliência, recorre-se aos Modelos de Crenças Determinantes (MCDs) para mensurar as mudanças evidenciadas. Cada MCD revela o esforço para efetivar o que realmente funciona na prática clínica (Cuijpers, Reijnders e Huibers, 2019) dentro dessa modalidade teórica.
O trabalho de Barbosa (2020) sugere que a resiliência se origina na cognição humana, onde sistemas de crenças vitais interagem com adversidades da vida, levando a pessoa a utilizar habilidades específicas na resolução de problemas. Ele propõe a existência de MCDs, divididos em oito domínios: Autocontrole, Autoconfiança, Leitura Corporal, Análise do Contexto, Otimismo para com a Vida, Empatia, Conquistar e Manter Pessoas, e Sentido de Vida. Esses domínios oferecem sustentação cognitiva e emocional para implementar mecanismos de mudança na resiliência durante o processo psicoterapêutico.
Os MCDs, como propostos por Barbosa, são sistemas de crenças que influenciam a resiliência e que podem ser mensurados e quantificados. A presença de MCDs equilibrados e congruentes pode aumentar a efetividade da psicoterapia, enquanto MCDs rígidos ou inflexíveis podem prejudicar os resultados dos “mecanismos de mudança” e o processo terapêutico.
Neste sentido os próprios “mecanismos de mudança” atuam para fortalecer os fatores de proteção, coesão e determinação de pacientes. Isso é feito através de intervenções que, uma vez aplicados os “mecanismos de mudança”, se intenta modificar as crenças limitantes e fortalecer as crenças que promovem a resiliência em situações adversas.
Quanto mais forte for a “ressignificação” de crenças, maior será o fortalecimento dos MCDs e o processo de psicoterapia, tenderá a promover mudanças comportamentais coerentes com a situação ou circunstâncias.
Conclusão
Os “mecanismos de mudança” representam a essência da transformação no contexto psicoterapêutico, sendo fundamentais para o desenvolvimento de mudanças duradouras nas crenças e comportamentos dos pacientes. As diferentes abordagens terapêuticas exploram esses mecanismos de formas complementares, considerando aspectos como histórico, personalidade e resiliência dos indivíduos. A Psicoterapia com Abordagem em Resiliência destaca-se por integrar modelos de crenças determinantes (MCDs), que estruturam sistemas resilientes, promovendo soluções práticas para adversidades. Reconhecer e adaptar os mecanismos de mudança ao perfil do paciente não apenas otimiza os resultados terapêuticos, mas também fortalece a compreensão sobre o impacto das crenças resilientes na vida cotidiana. Este conhecimento orienta psicoterapeutas no refinamento de suas práticas, aumentando as chances de sucesso terapêutico.
George Barbosa
Doutor em psicologia
George Barbosa (Barbosa, GS.). 2024 – Doutor em Psicologia, especialista reconhecido pelo MEC em Terapia de Casal e Família, em TCC, em Neurociências e em Neuropsicologia.
E-mail: george.barbosa@sobrare.com.br
Kazdin, A. E. (2009). Understanding how and why psychotherapy leads to change. Psychotherapy Research, 19(4-5), 418-428. https://doi.org/10.1080/10503300802448899
Norcross, J. C., & Wampold, B. E. (2011). What works for whom: Tailoring psychotherapy to the person. Journal of Clinical Psychology, 67(2), 127-132. https://doi.org/10.1002/jclp.20764
Castonguay, L. G., & Beutler, L. E. (Eds.). (2006). Principles of therapeutic change that work. Oxford University Press.
Laska, K. M., Gurman, A. S., & Wampold, B. E. (2014). Expanding the lens of evidence-based practice in psychotherapy: A common factors perspective.
Psychotherapy, 51(4), 467-481. https://doi.org/10.1037/a0034332
Wampold, B. E., & Imel, Z. E. (2015). The great psychotherapy debate: The evidence for what makes psychotherapy work. Routledge.
Greenberg, L. S. (2007). A guide to conducting a task analysis of psychotherapeutic change. Psychotherapy Research, 17(1), 15-30. https://doi.org/10.1080/10503300600641384
Crits-Christoph, P., Gibbons, M. B. C., & Mukherjee, D. (2013). Psychotherapy process-outcome research. In M. J. Lambert (Ed.), Bergin and Garfield’s handbook of psychotherapy and behavior change (6th ed., pp. 298-340). Wiley.
Muran, J. C., & Barber, J. P. (Eds.). (2010). The therapeutic alliance: An evidence-based guide to practice. Guilford Press.
Goldfried, M. R. (2019). Obtaining consensus in psychotherapy: What holds us back? American Psychologist, 74(4), 484-496. https://doi.org/10.1037/amp0000365
Cuijpers, P., Reijnders, M., & Huibers, M. J. (2019). The role of common factors in psychotherapy outcomes. Annual Review of Clinical Psychology, 15, 207-231. https://doi.org/10.1146/annurev-clinpsy-050718-095424
Barbosa, GS. Psychotherapy in one Approach of Resilience (PAR). In: Ionescu, S., Mazurek, H. (Coord.) (2020). Pratiques basées sur la résilience. AMU, IRD, LED Aix Marseille Université, Institut de Recherche pour le Développement, Laboratoire Population, Environnement, Développement, 568p. Publication résultat du 4ème Congrès Mondial sur la Résilience, Marseille, 28-30 juin 2018. Aix-Marseille Université, Institut de Recherche pour le Développement – LPED.
https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-02465380.
Título III em seu Artigo 3º Regimento Interno Associação Brasileira de Psicoterapia – ABRAP. 2022. https://abrap.org/wp-content/uploads/2023/05/Associacao-Brasileira-de-Psicoterapia-ABRAP-Regimento-Interno-2022.pdf
Conselho Federal de Psicologia (2022). Reflexões e Orientações sobre a Prática da Psicoterapia. Disponível em: https://site.cfp.org.br/publicacao/caderno-reflexoes-e-orientacoes-sobre-a-pratica-da-psicoterapia/