Relacionamento familiar e conjugal sob um olhar analítico

Relacionamento familiar e conjugal sob um olhar analítico

No exercício da psicologia analítica procura-se compreender conteúdos conscientes e inconscientes (pessoal e coletivo) que influenciam na relação consigo mesmo, nas relações sociais e amorosas do indivíduo. Investiga-se as imagens arquetípicas, os símbolos, os complexos que desencadearam as crenças, ideias, ações, reações e hábitos do indivíduo. Esse enfoque também é usado quando se trata do acompanhamento de família e de casal, levando em conta que cada um dos cônjuges traz conteúdos próprios que impactarão, de forma positiva ou não, na vida um do outro e na família formada.

A família tem importância relevante para a sociedade, muito embora sua definição pode ser diversa devido às variadas estruturas ou modalidades manifestadas na atualidade, assim como em sua descrição há inúmeros fatores que podem influenciar ou determinar sua formação como cultura, sociedade, política, economia, ambiente e religião.
Há diversos tipos de famílias. Atualmente alguns modelos têm sofrido menos preconceito, sendo aceitos com mais frequência na sociedade, como por exemplo a família monoparental (constituída pela figura de um dos genitores, geralmente a mãe), homoparental (constituída por casais homoafetivos), família adotiva (situações relativas à adoção), família sem filhos (constituída somente pelo casal). O motivo das complicações familiares que geram problemas mais sérios não está associado a diversidade de modelos de família, mas a dificuldade em acolher as adversidades e isso pode acarretar uma sensação de vazio, desvalorização, sentimento de culpa, tristeza, insegurança ou outras reações. Verifica-se que em um lar cujos pais, mães, pai ou mãe são afetuosos, dão apoio, proteção e conforto, não são negligentes, sabem por limites quando necessário, a criança ou adolescente desenvolve estruturas psicológicas fortes e seguras para enfrentar as dificuldades da vida cotidiana.

O mecanismo de funcionamento de cada família é diferente uma das outras, assim como o desenvolvimento pessoal esperado é que não seja uniformizado, uma vez que a percepção e desenvolvimento gradual de cada indivíduo é diferenciado, bem como a forma que cada um observa os eventos ao seu redor. O sistema familiar, seu modo de funcionar, tem um impacto na vida do sujeito e vai influenciar suas decisões e escolhas, sua vida social. Por isso é necessária a conscientização disto para a edificação de um ambiente menos conturbado que proporcionará o desenvolvimento saudável do indivíduo, bem como melhorará o seu meio social de maneira significativa.
O núcleo familiar é responsável pelo desenvolvimento da base da identidade pessoal da criança, é o primeiro contato e convivência que o indivíduo tem com seus semelhantes, ali são formados os primeiros vínculos, são transmitidas as primeiras regras e valores de convívio coletivo. No ambiente familiar a criança tem o primeiro contato com seus semelhantes, criando suas primeiras capacitações motoras, biológicas e sociais. É também nesse cenário de convívio familiar que, perante os conflitos e diferenças que vão se apresentando, igualmente desencadeia a formação da Sombra.

Dessa forma, o indivíduo é construído, principalmente, a partir do seio familiar, sua relação com os genitores ou responsável, interação com irmãs e irmãos ou primos. Jung (2014) relata que a personalidade (ou seja, o “si-mesmo”) experiencia sua totalidade no âmbito da família, onde ocorre uma identificação dos conteúdos conscientes e inconscientes que influenciam nas relações sociais e amorosas do indivíduo.
Esse indivíduo levará muito daquilo que observou, vivenciou, aprendeu com seus pais, avós ou tutores, além de conteúdo do inconsciente coletivo, quando decide se unir a outro alguém. Ou seja, os parceiros irão compartilhar os materiais inconscientes e o vínculo pode ser caracterizado como sendo uma adição de duas relações de artefatos no qual o protótipo de identificação é formado pela representação da interação do casal parental. Portanto, o comportamento humano em sociedade é praticamente uma imitação de como este foi apresentado ao seu primeiro núcleo social: a família.

Jung pontua que “Quanto maior for a extensão da inconsciência, tanto menor se tratará de uma escolha livre no casamento”. Para ele o casamento é como uma interação psíquica, uma vez que é composto por informações subjetivas e objetivas. Por essa razão, dificilmente ou jamais, uma união se fortalece sem alguma instabilidade até chegar a um modelo de relacionamento no qual seja respeitada a individualidade.
Toda conjuntura da história familiar afeta na particularidade de cada indivíduo, iniciando pela seleção do cônjuge que pode ser por afinidade, interesse financeiros, alguns sequer escolhe. Os motivos são muitos, todos irão impactar na vida de seus membros. A concepção analítica instiga o desenvolvimento e utilização da autonomia e auto valorização de cada um dos cônjuges, estimulando o sujeito a ser capaz de perceber suas próprias qualidades e motivações, desviando o olhar do pessimismo e negativismo em relação a suas vivências, levando o indivíduo a se reconstruir emocionalmente. Para que tudo isso aconteça é necessário que as dinâmicas estabelecidas sejam reconhecidas e as diferenças respeitadas.

A união de duas pessoas proporciona a colisão de conteúdos inconscientes (isso inclui a Sombra), de cada uma delas que é projetado mutuamente um no outro. A identidade do casal é formada por meio de um ambiente psíquico compartilhado, no qual os parceiros procuram inovar, criar e aceitar as diferenças, levando em conta pontos de vista contrastantes de cada cônjuge. Quando isso acontece o vínculo conjugal inclina-se a uma estabilidade porque os parâmetros referenciais são reorganizados construindo uma nova conformação de relação.
Muitas vezes a terapia de casal é necessária para ajudar o sujeito a identificar e reconhecer as características que depositou no outro, isso possibilita a elaboração e ampliação da consciência. Contudo, é necessário que o indivíduo consiga lidar com as próprias frustrações e integre seus materiais sombrios projetados no outro. Esse é o fardo de conviver de forma consciente com habilidades antagônicas a sua natureza.

A terapia familiar e de casal deve observar situações mal compreendidas (traumas), informações ensinadas de forma equivocadas, instabilidade emocional familiar que são algumas das principais causas do surgimento de problemas sociais e de dependências químicas e vícios. Sem levar em conta o tipo familiar, verifica-se que o desenvolvimento de uma pessoa em um ambiente que seja destrutivo e degenerativo conduzirá o indivíduo para quadros de depressão e desenvolvimento de transtornos psicológicos, em contrapartida, ambientes familiares que presenciaram o desenvolvimento saudável, influenciarão o indivíduo a ter mais autoconfiança, objetividade, clareza em suas decisões, inteligência emocional e controle nos diferentes aspectos de sua vida.

Dra. Daniele Scandiucci

Dra. Daniele Scandiucci

Drª Psicologia Clínica

Dra. Daniele Scandiucci de Freitas atua como psicóloga clínica no cotidiano e bióloga nas horas vagas

Especialização em Psicologia Analítica, imaginário e prática clínica; extensão em psicossomática, saúde mental em base analítica, terapia familiar e de casal. Atualmente trabalha como psicóloga clínica (individual, de casal e família), professora e supervisora junto ao Instituto Olhos da Alma Sã. Maiores informações: ID Lattes: 8620638764749206

Instagram: @danif.s8

Contato: Whatsapp: (62) 981026527 e-mail: dani.scandiucci@gmail.com

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