O que a morte e o morrer nos ensinam?
O que a morte e o morrer nos ensinam?
Será que hoje com todas as informações e aberturas a morte é um assunto em pauta ou ainda permanece como um tabu? Ironicamente, a morte é a única e absoluta certeza que temos: não se vive para sempre- definitivamente, vamos morrer.
Na verdade, não nos damos conta de que desde que nascemos aprendemos a lidar com o morrer; este é um processo que se dá no decorrer da vida, na qual se buscam sentido e transformação. Ao entrarmos em contato com nossos limites – ou se não entrarmos em contato direto com eles-, indiretamente, a vida nos leva a várias escolhas, para irmos em busca do encontro com a satisfação e o merecimento da vida que cultivamos. Se não processamos vários atos de morrer no decorrer da vida, dificilmente evoluímos, ou seja, tenho de “morrer” (aqui, o sentido é figurado) para as minhas dificuldades e limitações para poder continuar vivi, bem como “morrer” para a própria crueldade interna, a fim de dar sentido à vida que escolhi viver. A escolha é diária, e isso significa “morrer” um pouquinho a cada dia para poder permanecer vivo. “Morrer” para os ideais, para o passado, para os medos, para as limitações, pois, aí sim, será possível sentir-se plenamente vivo, e não um morto vivo. Em outras palavras, “morremos” para a forma que vivemos e vivemos de acordo com nossa capacidade e necessidade de implicar várias “mortes” em nossa vida. No mesmo sentido, Jung, citado por Jaffé, afirma que “só permanece vivo quem estiver disposto a morrer com s vida”.
Como ressalta Herzog, “a Luz recai sobre a vida a partir da morte e só quem, na sua alma, está pronto para caminhar através do portal da morte será um homem vivo.”
Em trabalho realizado por Bruno Y. (2008), verificou-se que, diante desse axioma, era de se esperar que o homem conduzisse a própria vida de maneira a organizar-se para esse “fechamento de ciclo”, como acreditam os hindus. Entretanto, ele segue no cotidiano traçando planos e negligenciando a informação de que a morte é um fato corriqueiro na vida cotidiana. Não experimenta qualquer contato com a própria limitação no tempo de vida e se surpreende com a chegada desse acontecimento. Foi dessa percepção – a de que o homem não acreditava na própria morte- que surgiu uma das mais importantes máximas da psicanálise: no inconsciente não há representação da morte. O ser humano se crê imortal. Dessa forma refletir essa possibilidade provoca desconforto e ainda aterroriza a humanidade.
Importante lembrar que Jung foi o primeiro a estudar o aspecto psicológico dos processos de morte, ressaltando a semelhança entre o desejo de viver e o desejo de morrer.
A morte é um fenômeno biológico natural, mas o ato de morrer contém uma dimensão simbólica que varia entre as culturas de cada civilização. Vivenciá-la é uma experiência única a cada indivíduo e, assim, cada um tem a sua própria representação de morte. Como em nossa sociedade ela é tratada de maneira tão angustiante, daí toda uma representação negativa do pensar e do sentir. Resta-nos no mais das vezes, a oportunidade de abordar o tema quando estamos bem próximos dele, ou seja, no momento em que a ideia desse fato deixa de ser algo tão distante. Provavelmente, quando estamos num leito hospitalar e lembramos que somos simples mortais.
A morte é uma íntima, invisível e contínua parceira de nossa vida, com isso temos que sucumbir à tentação de nós percebermos como seres imortais. Como de fato não somos, é urgentes necessidade de nos conectarmos com a fatídica realidade de que morte é vida e que vida é o morrer diário, ou seja, transformação e mudança. Há de se ter consciência de que essa dialética irá se entrelaçar durante toda existência.
Ainda hoje, tratar desse tema não é tarefa simples. Em disciplina ministrada por mim, denominada de Psicologia da morte e do morrer”, uma das atividades realizadas com os alunos refere-se à solicitação a eles feita para que descrevam sua definição do morrer e como gostariam de morrer. Constatou-se que quase 80% dos alunos responderam que, se pudessem optar, escolheriam por falecer então estivessem dormindo, e se surpreendem ao saber que a morte não é o posto da vida. Esse resultado denota o medo e o desconhecimento sobre a morte.
Importante destacar que a alma inconsciente conhece a morte. Disso decorre que, ao prestar atenção aos sonhos, o indivíduo pode se preparar para a morte muito antes de morrer. Sabemos que os sonhos são raízes que atingem as profundezas da alma e ajudam para o crescimento e desenvolvimento que nos forem possíveis, eles estão a serviço do desenvolvimento mais elevado do homem. Trazem sentido e leveza nos momentos do morrer, quando trabalhados.
Profa. Dra. Christina Neder
Presidente da ABRAP
Referências bibliográficas:
ARIÈS, Philippe. História da morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982
BRUNO, Yasmin Garrido.Desejo-lhe uma boa morte: Considerações sobre cuidados paliativos com adultos. [Monografia de curso de especialização em psicologia da saúde] São Paulo. Pontifícia Universidade Católica,2008. Orientadora: Christina Neder
JAFFÉ,A;FREY-ROHN,L;LOUISE von FRANZ,M.A morte à Luz da psicologia. São Paulo:Citrix,1995