
A Psicologia Corporal – Pescoço e Coração
Frequentemente, como psicólogos clínicos, recebemos pacientes cujas queixas iniciais são dores físicas persistentes (por exemplo, uma tensão crônica no pescoço) e/ou dificuldades emocionais (por exemplo, uma tristeza indefinida). Alguns chegam encaminhados por médicos que suspeitam de um componente emocional nos sintomas físicos; outros buscam a terapia por iniciativa própria, sem necessariamente associar suas dores emocionais ao corpo. Há também aqueles que afirmam não sentir nada fisicamente como se sua existência estivesse restrita à mente.
Estamos, muitas vezes, diante das resistências psicológicas. O corpo, apesar de ser nossa morada, pode se tornar, com o passar do tempo, um velho desconhecido. Comumente, ele é percebido apenas sob a ótica estética ou como um meio de garantir a saúde orgânica, mas pouco é explorado como expressão de nossa história emocional. Na psicologia clínica, no entanto, compreendemos que tanto as dores físicas quanto os estados emocionais fazem parte de um contexto mais amplo na vida da pessoa. A ansiedade, por exemplo, não está localizada em um órgão específico, mas, também, se manifesta no ritmo respiratório revelando, no corpo, aquilo que ainda não foi elaborado.
Os estudos pioneiros de Reich e Lowen, apresentam a resistência como uma expressão somática. Ambos compartilham o conceito de “couraça”, a sua manifestação no corpo e a importância em identificá-la para seu possível desbloqueio por meio de trabalhos voltados a determinados segmentos do corpo.
Na perspectiva de Jung (1972), tanto os processos do corpo como os processos psíquicos desenrolam-se simultaneamente. Ele cunhou o termo sincronicidade para ilustrar essa expressão simultânea. O corpo e a psique estão ligados pela ação reciproca. Na perspectiva junguiana, podemos ver o corpo como um símbolo. “[…] uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além do seu significado manifesto e imediato […]” (JUNG, 2008, p.19). O corpo como símbolo pode expressar conteúdos do inconsciente. Manifestações no corpo físico, como por exemplo uma dor, pode ser uma linguagem simbólica de algo inconsciente reprimido que deve ser melhor explorado.
Além da interpretação dos sonhos, das associações livres, dos lapsos do paciente e do comportamento, a expressão corporal também deve ser observada, pois possui um valor analítico fundamental. Ou seja, o corpo do paciente é parte do processo terapêutico. O suspiro profundo antes de uma revelação, o endireitar da coluna quando assume uma postura mais altiva num determinado momento da sessão, o encher os pulmões e prender a respiração antes de falar, o ato quase inconsciente de picar um pedaço de papel ao mencionar uma experiencia significativa, a tensão na mandíbula ao abordar um tema delicado… Importante também notar se há uma correspondência entre o gesto e o conteúdo verbal ou, ainda, se o corpo nos aponta algo mais. Tudo isso são expressões simbólicas que revelam conteúdos psíquicos muitas vezes inacessíveis apenas pela via verbal e que dizem respeito às experiencia vividas do paciente. Importante ressaltar que não existe uma leitura única e cada gesto deve ser explorado com cada paciente.
Os símbolos emergem também na linguagem corporal e não apenas em imagens oníricas ou narrativas. O corpo carrega marcas da história do indivíduo, e suas manifestações podem trazer à tona vivências não elaboradas, conflitos inconscientes e padrões emocionais enraizados. Assim, na psicoterapia, os símbolos corporais enriquecem a compreensão do paciente.
Coração e pescoço
A região torácica envolve o coração, pulmões e a musculatura do peito e das costas. A couraça (resistência) manifesta-se pela elevação da estrutura óssea do tórax, com uma atitude crônica de inspiração, respiração superficial e imobilidade do tórax, como forma de reprimir qualquer tipo de emoção. Envolve atitudes de “autocontrole” e “reserva”, com ombros puxados para trás. Juntamente com a couraça do pescoço, demonstra a obstinação e teimosia reprimidas. Emoções como “raiva furiosa”, “choro sincero”, o “soluço” e a “saudade insuportável” relacionam-se a esse segmento (REICH,1998).
Na perspectiva de Lowen (1982), a meta da vida é o prazer. Para que isso se consiga, é necessário que haja um movimento expansivo do fluxo de energia que parte do coração e se dirige aos olhos, boca, pele, mãos, pés e genitais. Quando o movimento energético é de contração, ao invés de expansão, existe dor. Se o organismo busca a satisfação, o prazer, e se sente ameaçado, se contrai e sente dor; os músculos contêm a excitação e quando não a controlam, surge a ansiedade. Para o autor o livre circular dessa energia biológica se dá pelo fluxo de carga e descarga, o corpo torna-se livre, expressivo, criativo, ele experimenta o prazer e a satisfação.
Para Reich os movimentos expressivos dos braços e mãos estão ligados a este segmento e é comum a queixa desses pacientes referindo-se a uma sensação de nó no peito. Uma forma de afrouxar esse nó é pressionar o peito e auxiliar o paciente a gritar. Nesse processo, o paciente deve respirar profunda e conscientemente de forma que o diafragma se expanda numa respiração controlada. Lowen também sugere a respiração e o trabalho corporal com posturas de flexão do troco para trás que ampliam a caixa torácica.
Jung faz uma interpretação do segmento torácico (coração, pulmões e respiração) a partir dos símbolos dos chakras. Ele descreve que o anahata chakra está localizado acima do diafragma, no coração ou centro da respiração, onde se movimenta o ar. Nesse centro ocorre a sublimação, sair da mera condição emocional, sendo necessário produzir novos pensamentos e raciocínios para poder ultrapassar as emoções; sair de uma condição limitada de consciência e poder pensar além dela. Jung sugere a reflexão: “[…] por que estou me comportando assim, desta maneira?” (JUNG, 1996).
O centro do peito é a região do sentimento, da respiração e do pensamento. Por meio da respiração, o indivíduo se identifica com a alma, soul. Segundo o autor, esse chakra é o centro dos insights para vida. Assimilar apenas “pela cabeça”, não seria possível, se não tocar o coração, o sentimento. Esse é o processo de individuação, quando o ser humano percebe suas emoções e não se torna mais identificado com elas. Quando é possível diferenciar entre o que é você mesmo e o que é a explosão da paixão, descobre-se o self. No anahata, a individuação se inicia. (JUNG, 1996)
Pescoço – garganta
Região cervical está relacionada à musculatura profunda do pescoço e à musculatura da língua. Essa região indica que a raiva ou o choro podem estar reprimidos. Um dos momentos de trabalhar o bloqueio da região cervical é quando ocorre a expressão dos sentimentos (REICH, 1998). Segundo Lowen e Lowen (1985), o trabalho nessa região pode liberar a tensão na cabeça e a sensação de sobrecarga nos ombros e pescoço.
Jung (1996) faz uma leitura profunda e simbólica do seguimento cervical. Ele descreve que Vishuda Chakra relaciona-se à subjetividade. Ele diz que acessamos esse chakra quando atravessamos o Anahata, a região dos sentimentos. É quando há a dissolução da união absoluta de fatos externos e fatos internos psicológicos. Aí percebemos o processo de projeção. Ele exemplifica que a raiva sentida por alguém é algo subjetivo, ou seja, está relacionada à própria sombra projetada no outro. Anahata é poder perceber o processo de projeção, desfazê-la e permanecer com a percepção de si.
Uma ilustração do símbolo do coração:
Na canção: “Samba do grande amor” de Chico Buarque, podemos notar a pedra no peito como símbolo do enrijecimento do coração devido à dor da decepção do grande amor, da mágoa não elaborada. Ainda, quando o poeta diz: “ Chego a mudar de calçada quando aparece uma flor, e dou risada do grande amor” mostra que está fechado a novas experiências e paralisado no “complexo do amor”.
“Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim o grande amor
Mentira
Me atirei assim
De trampolim
Fui até o fim um amador
Passava um verão
A água e pão
Dava o meu quinhão pro grande amor
Mentira
Eu botava a mão
No fogo então
Com meu coração de fiador
Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
– Mentira”
As técnicas corporais como calatonia, descompressão fracionada, toques sutis entre outros são recursos preciosos que podem ser utilizados separadamente ou complementar à psicoterapia na abordagem Junguiana. As técnicas corporais são ministradas no Curso de Psicologia da PUC-SP pela Prof.ª e Drª Leda Maria Perillo Seixas e no Instituto Sedes Sapientiae no Curso de Especialização em Psicoterapia Analítica e Abordagem Corporal Jung & Corpo sob a coordenação do prof. dr. Paulo Toledo Machado Filho.
Beatriz Cristina Pacini Labonia – Mestra em Psicologia Clínica
REFERÊNCIAS
JUNG, Carl Gustav. (1932) The Psychology of Kundalini Yoga: notes of the seminar given in 1932 by C. G. Jung. 2. ed. New Jersey: Princeton University Press, 1996. 127 p.
JUNG, Carl Gustav (1964). O homem e seus símbolos. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 429 p.
Jung, C. G. (1935) Fundamentos da Psicologia Analítica. 1 ed. Petrópolis: Vozes, 1972 239 p
LOWEN, Alexander. (1975). Bioenergética. 5ed. São Paulo: Summus, 1982. 299 p.
LOWEN, Alexander; LOWEN, Leslie. (1977). Exercícios de bioenergética: o caminho para uma saúde vibrante. 5. ed. São Paulo: Ágora, 1985. 195 p.
REICH, Wilhelm. (1998). Análise do caráter. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 491 p.
REICH, Wilhelm. (1984). A função do orgasmo. 10. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. 328 p.
Beatriz Cristina Pacini Labonia
Mestra em Psicologia Clínica

Beatriz Cristina Pacini Labonia – Mestra em Psicologia Clínica